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quinta-feira, 23 de setembro de 2010

T E A T R O Vício que não tem cura realça a própria história em Bonfim


                                                           Por Antônio Britto

Atores, atrizes, dramaturgos e amantes da arte cênica de muitos municípios do semiárido, de outras regiões e estados – realizaram o Iº Colóquio sobre a história do Teatro de Senhor do Bonfim. Da abertura no dia 4 até a manhã de 7/9, praticamente tudo foi novidade nos múltiplos espaços culturais criados pelo evento e recriados por ele. Uma fortuna de intercâmbio lavou a alma “dos que se unem pela arte de Dionísio”. Pouco depois de um ator se vangloriar de estar também tocado pelo “único vício que não tem cura, o teatro”, muitos ficariam sabendo que a antiga e interessante peça “Os ovos de Militão”, do dramaturgo Cícero Ferreira, inspirado no cordel popular regional, estreada no Teatro Vila Velha, em Salvador e encenada noutras cidades, somente muito depois, há quatro anos atrás, foi exibida em seu local de criação, Senhor do Bonfim. É ou não é verídico, mestre Reginaldo? “Claro que sim”.

Arte sem fronteira – Teatro foi o divino mote do Colóquio, porém sem opor qualquer impedimento ele se abriu para a sublime visita de seus parentes. O cinema de fita inteira do Nivaldo Oliveira e de trechos de filmes de Miguel Araújo, Tito Rocha e outros encheram a tela do Centro Cultural. A dança (alô Pai Antônio) também invadiu o palco da representação. O folclore dos tambores e trajes foi visível, o que veio pelo viés do Boal nem castigo impede quando apenas dois atores se encontram. A música ornamentou o que pôde. Zecrinha presente e sem rodeio disse sem off: “Sou autor de 110 músicas gravadas Brasil afora”. Que bom, ele lançou sem nenhum anúncio sua nova e inédita canção Charles Chaplin, que acho ser o título, bela, de exaltação à terrinha... Paraí, dêxa eu atendê uns carinha aqui:

(Alô! É Ari Barroso? Se tua alma fugir daí, não vá pra Minas, teu céu é na Bahia, Na Baixa dos Sapateiros. – Ô Gil, só o Rio de Janeiro continua lindo? Bonfim te de nome de rua... Aquele abraço. – Diga aí Veloso: alguma coisa acontece em seu coração? Sampa ainda te chama de Cae e só tem menino no Rio e na Bahia não?? Óia, o Chaplin reencarnou aqui em Bonfim, num é teatro não. Quem viu ele foi um compositô daqui... E aí... Nem dêxa eu contá. Sim, diga. O quê? Não acredita? Filho da terra não faz música boa pra ela? Só o Caymmi?. Eu sou bairrista? Bato-lhe o fone de novo, viu seu... – tuuuuuuuu...

... Música fácil e cadenciada, camisa 10 de seresta pataxó, aliás, kiriri.  O auditório delirou, teve direito a bis e cantou desde os primeiros versos:

Vi Charles Chaplin pelas ruas de Bonfim
 E foi assim, e foi assim:
 Vestindo roupas coloridas de cetim
 E foi assim, e foi assim.

Ô meu amigo você não pise na bola
 Porque agora o equilíbrio é da razão

 Não chore se eu disser que a razão lhe contrariou
 Não chore se o acorde do meu violão te magoou-ô

 Não chore se eu disser que você se atrapalhou
 Não chore se eu disser que lá não vou.

As músicas próprias e seletas do Daniel Gomes e do Wagner Rosa nem precisa dizer que entraram no ambiente sem pular o muro. A sanfona não precisou “penetrar”, ela já mora na terra (Tomaz, tu faz 80 em agosto!). E o cordel foi distribuído e recitado intrínseca e extrinsecamente por Jotacê Freitas, autor de andanças e presenças nos becos, favelas e cortiços do Colóquio... Não seria melhor Colóquio/festival? Não, nada disso.

Oh! Em casa... Sem o trem – Foi Festival mesmo, com algumas rugas da cara dos festivais nacionais dos anos 60 e 70 – o que faz lembrar dos festivais bonfinenses dos anos 80. Só faltou a irreverência manifesta. E não porque o tempo é outro, mas sim porque a turma é nova nesse tipo de ajuntamento de extremidades afins. Precisaria de tempo para a galera prever. Prever e acreditar. Se já conhecesse desse tipo de cabaret não precisaria prever nem acreditar. Muitos talvez entraram e saíram da Câmara, do Calçadão, do Centro Cultural Ceciliano de Carvalho e da despedida final da zoeira sem a exata noção do que aconteceu. E sabe Deus se já acreditaram direito ter protagonizado um Colóquio inesquecível. Jotacê acreditou. Viram a coloquialidade que ele imprimiu à bela matéria que escreveu? Diz a oh-posição que ele pulou direto da declamação no Beco do Bazar e foi cair bem dentro do seu texto, no que este tem de mais real. Também pudera, ele está de cenozóico pra jurássico nessa de sacar antes o que é que pode fazer acontecer um cenário desse nesse semiárido. Outros ali, não. Reverentes ao desconhecido chegam “pra aprender” e demoram de se soltar. Descobrem do que podiam somente quando o trem já está do meio pro fim, ou depois, quando já estão em casa.

Pisar na grama sem livrar as flores? – É aí que, num estalo e sem meditação, a ficha cai: Aaaaaah, Colóquio é só o nome que botaram numa peça que rolou por quatro dias... Por que diabos eu fui tão tímido? Demoram, mas não tanto, do contrário não seriam atores. E vão se municiar para a próxima parada. Jorge Pacheco, de Sento-Sé: Vixe, quando me chamaram pra Mesa fui inseguro, dei meu depoimento porque sou da arte, mas só de ver tanta areia pro meu caminhãozinho... Porém, no último dia, já de cachorra na mão, o jovem (22) jogou o temor no lixo: Na próxima vez eu trago ao palco a minha ‘Ambulância delicada’ pra fazer sucesso [também] aqui. Além de Jorge, outros que vestem personagens nos palcos também tropeçam nesses segredos de Polichinelo. A sociedade mantém mais por hábito que por lei a hegemonia de um troço chamado formalidade: obedeça, pise em ovos e evite ser o que potencialmente você é. Não pense em contestar, mudar, agredir, tumultuar – é o que a formalidade impõe. Raios que a partam. Teatro dá em colóquio é para ser mais teatro. É pra se saber que até a formalidade inerente ao colóquio, necessária!, ao ser aplicada vem inexorável e involuntariamente contaminada de formalidade tradicional e o restringe direta e indiretamente, desde o ato de inscrição inicial à troca final de endereços.

Sem “lirismo comedido”: Evoé Baco! – Ninguém, nada escapa por completo desse tentáculo. Mas se não enfrentar se achata, colabora, não cria com liberdade. Na manhã de abertura do Colóquio foi mole pra Gilmara Cláudia e Joatacê mostrarem o cordel “Quando José Carvalho virou Zé da Almerinda”, de narrativa tributária a quem “Eternizou-se com a arte” (na última estrofe do livreto). Eu não estava em Bonfim,/ mas evento no Calçadão/ se espalha de mão em mão,/ os ventos sopraram pra mim. Sopraram que a abertura do Colóquio “foi show”. Filarmônica, Luma Produções/Wagner Rosa, Livraria Multicampi/Conceição Lins, ou seja, programação em dia e mantendo ao lado essas dinastias consangüíneas da arte teatral. Quando chego a Bonfim recebo o que não é mole, o cordel Tetralogia Lulástica, que me foi dado pelo autor com um autógrafo-insígnia, “que a arte nos abrace”. Jota olha pra mim e fuzila com doçura e verdade: é uma provocação. Quando depois vi a Capa com uma mão faltando o mindinho e o conteúdo descendo o cacete no Lula, a Dilma é rapariga do pilantra, entendi a provocação, os valores contidos nela e tudo mais. Antes do fim da leitura um grito me vinha da alma. Que orgulho por estar em Bonfim, poder me supor conterrâneo e próximo da ousadia coerente, melhor do que eu acreditava. Pausa e pergunta. É mole? Qualquer um gostaria de fazer a literatura feita pra Zé de Almerinda. E a feita para o Lula, tendo que ter incorporado a dignidade da indignação a um forte sentido de liberdade e tal e tal e tal pra fazê-lo? Poucos. E quando o incorporam é só um pinguinho, ainda que se trate de monstros como o Frei Caneca e o Paulo Freire, de ideologias e estilos diferentes, porque temos um alter ego censor impregnado desde o nascimento pra manter a frieza, a artificialidade, o velho comportamento do status quo. Se incorporar pingões e esguichos sifo! Este aviso, cuidadoso assim, é obra do alter ego de quem aqui escreve. Não pergunte ao Freud. As categorias que dão estrutura ao teatro nunca dispensaram os pingos audaciosos, se não teatro não teria história. Nesse sentido, provocar-se-ia: também o Cordel foi arte visitante a emprestar afirmação ao Colóquio teatral? Peraí, dêxa eu tentá obitê resposta cuns carinha pelaí:

Alô! É quem? – Aqui é Antonio Alves; – Oi, é José Gonçalves; – Sim, sou Gilmara; – Zumar, às ordens... Putis grile, de cordelistas só o Jotacê não responde?!  

Folia vs. Racionalismo, por um triz... – Sem resmungar, o teatro no Colóquio não saiu pela tangente: Benedito Oliveira até antecipou o seu Aroeira Cênica a dar um banho de alegria com a peça Tem folia no meu quintal. Ele, Nando Lemos e Caco Muricy fizeram o texto pra teatro, circo, figurino, trapézio, acrobacia, arame, perna-de-pau, cenografia e o resto. Tudo atado com uns quês de qualidade a mais. Quatro meses malhando 18 corpos do elenco “todos os dias”, nos contam sobre um teatro amadurecendo em Bonfim. Sobre a peça: “É uma síntese de brincadeiras infantis, para recuperar a meninice e valores lúdicos guardados em cada um de nós”. Na descida do tablado, o discurso de Benedito se centrou contra “certos racionalismos que desligam a condição humana de uma base mais natural, que por vezes compromete a alegria da existência”. Ou seja: não atropele a exuberância do viver. Teria o Aroeira se encomendado (pintou com circo e teatro) com tanta antecedência para homenagear o Zé Carvalho? Parece que sim. Fê-lo tão bem que não há como não admirá-lo. O grupo brinca com tanta seriedade que quase desmente o ante-racionalismo do diretor, que também teve braço pra subir em cordas no picadeiro. Não fosse isso, o Vinicius, Pequena Lemos, Rafael Barbosa, os malabares, Nando e até a “menina” transformista da performance vocal iam todos pedir “a volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dá”. Esse agito é prévia para um outro colóquio?   

Paixão de gerações – Houve no encontro o condimento que desde as gregas dionísias tempera a representação com a cor, o som e o ritmo, esses bons assessores de elementos em movimento que se mostram em bons espetáculos. Fotógrafos em profusão e o infeliz escriba sem fotografias...

Alô! É Nivaldo, é Jean, é Regi, é Bamberg (Como? Só fotografa espírito?), Ivomar, Geninho, Ceiça? Ôpa, essa tem 5 fotos. E agora é quem?  – “Olha, represento todos, seu improvisador barato, não peça foto pra nós. Se vire!”. – tuuuuuuuu...  

Bem que eu podia dormir sem essa. Visão apenas de texto sobre um enlace grandioso para a região, que requer o clique sobre centenas de cenas inauditas, deveriam se expressar pela explosão instantânea da imagem fotográfica. Quantos artistas estão reunidos, após uma vida de entrega à cultura? Poucos ou muitos, eles valem por uma multidão sincronizada no desejo de ver uma brisa promissora acalantando um sonho que cada um sabe ser eterno.  Não há no conjunto um único que não queira reviver o ideal do belo pela representação. Querem de modo platônico, viajando pra de dentro e voando teatralmente pro mundo, enquanto vivem. Benedito Oliveira, Jotacê, Geninho (sua alegria é grande e a saudade inda maior: voltou para ficar?), Paulo Machado (que foi saudar o Colóquio na Mesa 1)... São tantos outros! A partir de pretextos que vão do palhaço de rua à teoria acadêmica fazem teatro com humores e viveres artísticos poéticos muitíssimo acima da média social. Sabem que aquilo a que vulgarmente se apelida de “vida real” não foi feita pra artista. Sabem que vida incluiu arte por necessidade e que real é a vida que dá também ao artista a sua função. Os bastidores dos palcos do evento foram povoados por essas figuras. Enquanto informava que ainda se inicia na Licenciatura em Salvador, o Diego Vale ia enfatizando a “boa relação com atores de Finos Trapos, Roniere, Taísa...”. Parava voltando-se para a atividade no palco, seu foco, e não a entrevistinha desviando-lhe. Ao contar ao gravador que foi “mediador na Mesa 7, Processos Criativos” (!), matei. Como ia perder as invencionices do Porra, meu bem que já ia acontecer naquele exatinho momento? Não era para parar na escada de descida, mas no meio dela há um papo dialógico interessante: “...teatro de Sófocles no Teatro da Gambôa, fantasias de cetim nas tragédias gregas e milagres medievais da commedia dell'arte no intestino do barroco...”. Eu, hein! É fruição de saberes ou ... Mas quem será e de onde é? Marquei a cor da camisa e dela esqueci num minuto, a cara não olhei. Vou perguntar ao Ricardo Bittencourt ou à Glória da Paz. E se estes acharem que sou acanhado e inibido, pessimista e frio, vitima da formalidade, parecido com o pessoal que não veio ao Colóquio? Abro os olhos e vejo a camisa na minha frente, o carinha. E ele: “Ta falando comigo, meu caro?” – Não, gente boa, tô só decorando uma peça – me desculpei igualzinho a um ator. E descobri que quem se mistura com essa gente pega o vírus do teatro.

Atipicamente típico – Em um pólo está o Álvaro Peres (74), procedente da escola filosófica anarquista espanhola. De intelecto manso e mordaz, ele é capaz de escrever poesias e peças burlescas como o monólogo Pintando o 7 de setembro do sertão, interpretado neste colóquio pelo ator Záia.  No outro pólo está o ator Paulinho Machado (13), que procede de linhagem de arte. Quando tinha seus seis a sete aninhos, Paulinho já montava circo na casa dos pais, arranjava argumentos, distribuía papéis para a criançada, fazia ele próprio o palhaço e conseguia platéia pra espetáculos vesperais. A diferença de idade entre Paulinho e Álvaro Pérez é de 60 anos, Mas, a alma dos dois contém madrigais que os igualam num certame de arte. No colóquio, o que a eles importa é a totalidade do universo de emoções. A imensa distância entre suas faixas etárias é fixinha. Um e outro enfrentaram felizes, absortos e insones a noitada. Ali eles tinham a jornada épica que queriam: única, teatral e fantasiosa e, por isso, imperdível. Seus pólos só se opõem se forem submetidos a uma metáfora geográfica e temporal; no mundo de carne e osso da arte os seus projetos têm foco num arrebatamento por demais sublime. Nunca se preocuparão com a temporalidade da idade. Tão criança, Paulinho ficou em vigília. Tão vivido, Perez ficou para dirigir pela enésima vez o desempenho de Isaias Andrade de Oliveira, o Záia, no monólogo que satiriza o 7 de setembro. Záia é de Saúde e desse universo “de românticos e lunáticos”. Lá ele fundou a Associação Cultural e Artística, em Cachoeira participa da Fundação Casa de Barro, em Morro do Chapéu pertence ao grupo Os Esquizofrênicos e no planeta é filiado ao Poetas del Mundo. Na Mesa temática ele não disse que essa história de Independência do Brasil é forjada, mas poeticamente no recital do monólogo e indignadamente ao meu gravador ele não se poupou. Naquele dia (7/9) a Dilma foi mais radical do que parece e do que Lula, na TV: Independência ocorreu quando a dívida se tornou pagável, disse ela. Se Záia não viu, estava teatralmente vingado, porque antes dela ele já tinha dito no Colóquio que: “Bons exemplos estão no Augusto Boal e no Bertolt Brecht, que pensaram o teatro como ferramenta popular de transformação social”.

Buracos negros! Macacos me mordam – Quem não gostou de ver a surpreendente montagem do Vaga-lume? Jairo Sá e Jacira que bem poderiam responder, já tinham saído do Centro Cultural na madrugada do 7 de setembro. Mas Ioche, membro do grupo Porra, meu bem, com seis a oito componentes, alguns graduados em Artes Cênicas, saiu do “camarim” contestando: “Não. Não é versão moderna do teatro de sombras. É fruto de uma atividade. Cada um de nós, sob orientação do mestre comum, fez um exercício no escuro, sem propósito, um alongamento experimental no escuro. Depois repetimos em conjunto a loucura individual e deu nisso”. Deu num espetáculo de luzes apagadas e chicotes luzidios em mãos malabaristas. Diferente. Lâmpadas acesas dentro de sacos foscos, robô com olhos de luz, efeitos teatrais em vultos, tudo a desenvolver uma história em atos exigentes de atenção do público. Contextura de parto, erotismo, ternura? No lusco-fusco nasce uma criança. Símbolos brilhantes de doer surgindo e sumindo no breu. A luz dando à luz? Ou seria o limiar de um novo gênero? Essa é a primeira vez, Ioche? “Não, já nos apresentamos para público em Salvador e no interior”.   

Cinzas e fogo novo – De alguma forma o bonfinense Reginaldo Carvalho (34), envolvido “desde criancinha” pela arte do teatro e há 10 anos fora de Bonfim tem o dedo nessa significativa iniciativa. Atualmente ele tem currículo de formação acadêmica no curso de Pedagogia da Uneb, Campus VII/Bonfim, especialização na PUC/MG, licenciatura em Teatro na Ufba, mestrado e doutorado em Artes Cênicas na Ufba e doutorado em andamento. Mas sua primeira e grande aparição foi em 1992: trazida de Salvador pela Aclasb (Academia de Letras e Artes de Senhor do Bonfim), a professora Kátia Alexandrina veio ministrar uma oficina de teatro e graças a alguma virtude vista no oficinando Reginaldo, de apenas 16 anos, este ganhou da mestra o papel central na montagem de O pecado e o perdão.  Fez na peça o Padre Pedro, representando o Cônego Hugo, elevado depois a nome de rua, mas de fato chocantemente assassinado pelo louco José Marinho, em setembro de 1914, como conta a história. A exibição na Praça Nova do Congresso foi uma consagração. Mais que a contribuição do teatro aos anais históricos, estamos recebendo bônus valorosos. O pecado e o perdão teve, então, a direção de Zumar Sérgio (Zuma!!!) e os atores Jotacê Freitas, Nauvinha Aguiar, Conceição Lins e outras personas a nos cercar. Passados já 18 anos, estão quase todos a dar agora caloria e vitalidade a este Iº Colóquio.

Origem do Colóquio – O evento resulta de um edital do Ministério da Cultura ganho por Alexandrina Carvalho. Ela é a titular da Coordenadoria de Produção do evento, que conta com Conceição Lins, Antonio Alves, Cidélia Araújo, Noemi Reis, Odelita Rodrigues e Sandra Cléia. A Coordenação Científica, requerida para colóquio, neste acontecimento é partilhada entre o doutorando Reginaldo Carvalho e a doutora em arte cênica Ângela Reis.

Virgindade na relação – Em sua vida comum, eles estão agrupados em suas comunidades como profissionais, semiprofissionais ou amadores. Foi o que se evidenciou na “mesa” do dia 6, na Câmara de Vereadores. Agrupados, porém dispersos de ligação regular com grupos semelhantes. Raramente têm oportunidade de reunião regional para debater ou simplesmente colocarem suas dificuldades. Jean Santos, de Missão do Sahy, povoado de Bonfim, expôs nessa direção e Jorge Pacheco, de Sento-Sé foi mais fundo: “É a primeira vez que tenho uma conversa desse tipo com atores de outro município. Vim sem convite, só por tomar conhecimento desse tipo de experiência”. Em condições parecidas outros se revelaram. 

Origem dos atores – Verdadeiramente todos os trâmites do colóquio, desde sua concepção nitidamente ocasional à utilização de instrumentos e conteúdos de divulgação, depõem que nunca houve iniciativa semelhante pelo menos na região. Concretamente, nem todos praticantes de teatro do Território Piemonte Norte do Itapicuru que souberam do evento puderam vir, e possivelmente muitos nem o souberam. Pra confirmar a dispersão, vieram e participaram do colóquio atores e dramaturgos em condições opostas: alguns tinham pouca chance de tomar conhecimento e chegaram, outros estavam fora do eixo territorial e pintaram. Essas polêmicas razões indicam a origem territorial um tanto desconcentrada dos amantes da arte cênica que vieram a Bonfim:

CIDADES                            TERRITÓRIO DE IDENTIDADE
1.    Andorinha                    Piemonte Norte do Itapicuru
2.    Antº Gonçalves           Piemonte Norte do Itapicuru
3.    Campo Formoso                  Piemonte Norte do Itapicuru
4.    Filadélfia                      Piemonte Norte do Itapicuru
5.    Jaguarari                      Piemonte Norte do Itapicuru
6.    Pindobaçu                   Piemonte Norte do Itapicuru
7.    Ponto Novo                 Piemonte Norte do Itapicuru
8.    Senhor d Bonfim                  Piemonte Norte do Itapicuru
9.    Itiúba                                     do Sisal
10.                      Jacobina,            Piemonte da Diamantina
11.                      Juazeiro              Sertão do São Francisco / BA
12.                      Sento-Sé            Sertão do São Francisco / BA
13.                      Paulo Afonso     Itaparica
14.                      Saúde                 Piemonte da Diamantina     
15.                      Serrolândia         Piemonte da Diamantina
16.                      Salvador             Região Metropolitana de Salvador
17.                      Vit. d Conquista Vitória da Conquista
18.                      Petrolina (PE)     Sertão do São Francisco / PE     
19.                      Uberlândia           (?)                                   / MG       

“Uma grande produção só se
realiza com a participação de muitos”

Essa frase dita e ouvida numa das curvas do fórum do Colóquio veio do sujeito academicamente mais interessado nele, quando ele já era uma realidade ruidosa. Não foi clichê de gringo holliwoodiano que falou, foi a certeza subjetiva de que enfim ilustres tabaréus metropolitanos e conspícuos provincianos estavam chancelando uma tese, primeiro. Segundo, eram muitos, em número maior que o esperado e menor do que o sol sertanejo ilumina. Mais que o zero de encontros anteriores, menos que a sede de fazer cultural. Do pico do Tabor e de outras cumieras regionais também se soube que houve grande produção. Mas o Netto Casa Nova não viu nada disso e disse: Ando cansado de ver não acontecer puxadas coletivas, coisa vinda de baixo, saída da combustão da necessidade do povo. Se não disse pensou, se não pensou se traiu. Deixou outros pensarem por ele. Logo ele não é mais ele. Nem vai poder pintar a grande produção. (Oh, não veio!) – Deveria ter mais sujeitos da arte teatral e de outras no evento? Que respondam nomes que o episódio coloca em Bonfim (Jotacê Freitas, Edmar Dias, Dalvaci Gomes, Eugênio Talma... É isso aí Regi?), que estão no contexto baiano das artes. O Colóquio produziu informações e descobertas passíveis de recuperar o filé da história do teatro microrregional desse semiárido. Recuperar teatralizando!

Vai virar livro – O evento é estruturado com oito mesas, cada mesa com um tema a discutir e cada tema com quatro a oito representantes – atores, diretores, atrizes e dramaturgos regionais. Estão todos provocados à prévia produção de textos sobre a história do teatro do seu grupo ou da cidade de origem. O livro deverá ser produzido e finalizado até o início de 2011. Para garantir essa tarefa um técnico grava toda manifestação do encontro em mídia de áudio, fará a transcrição e a ela juntará os textos prévios dos participantes e os novos textos produzidos por estes durante o encontro. Feita a sistematização geral, daí emergirá um texto final “a ser impresso por uma editora universitária”, pela palavra de Reginaldo Carvalho, dentro do encontro.

Arte, suor e forca – R$ 10. 088,00 de recurso financeiro recebido do Ministério da Cultura, outros patrocínios e apoios culturais de governo do estado, do município e do comércio possibilitaram o importante empreendimento. Muitas carências não foram supridas. Na análise dos dirigentes, o dinheiro é coado para pagar três itens sine qua non: ônibus, confecção do material gráfico e cachês dos espetáculos apresentados.  O problema é que na prática a teoria dos três itens se multiplica em dívidas e se divide em incógnitas. Para não comprometer o colóquio, o doutorando Reginaldo resume: “Só estamos executando o colóquio porque é a arte de Dionísio que nos une”.

Por que sorrir pro José Carvalho
no seu Centenário de Nascimento

Destacadamente, o colóquio homenageia o artista bonfinense José Carvalho (Zé de Almerinda) que nasceu em 1910 e morreu em 1972. Se vivo fosse ele faria agora 100 anos de vida. Pelo valor de sua contribuição à cultura artística de Senhor do Bonfim e região, principalmente ao teatro e ao circo, José Carvalho recebe dos seus sucessores o festejo do Centenário. Seu afã pela arte o levou a deixar a cidade, acompanhando por seis meses, como artista, o Circo Merediva. Ao voltar, arrumou emprego na Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, alugou casa na Rua Campo Formoso, depois outra na Rua José Jorge, realizando representações teatrais nos seus quintais. Sua intensa atividade marcou indelevelmente a sociedade do seu tempo e repercute ainda hoje na civilização bonfinense.

A arte e o tempo – É provável a existência de manifestações em variadas formas de arte teatral e circense anterior a José Carvalho. Nenhum dos atores entretanto chegou a se notabilizou para a lembrança dos nossos contemporâneos. É dele o nome que nos chega imortalizado como ícone do século 20. Sua dedicação ao teatro (que é circo também) foi testemunhada de forma oportuna e eficaz no início deste Iº Colóquio por quase duas dezenas de atores por ele dirigidos há mais meio século, em nossa cidade. Zé de Almerinda é um marco comprovado de trabalho artístico em eras antagônicas ao seu espírito criativo. Soube ele das amarguras que teve de enfrentar para cumprir o que certamente lhe era inato, definitivo e incontornável: representar, representar e representar. Soube ele e seus parceiros de vocação (muitos ainda vivos) dos variados preconceitos enfrentados, principalmente os que advêm do falso conceito de trabalhão produtivo e do papel do gênero masculino numa sociedade comandada por governantes e líderes adeptos de doutrinas alienígenas e esdrúxulas. A forma de consolidar esse marco é tomar e aprimorar os valores que fundamentam a produção de José Carvalho, aprimorando-os para atrevida intervenção na sociedade atual, que se não oprime como naquele tempo, ignora e maltrata. Como marco, ele é pioneiro. Mais que isso, José Carvalho é referência do legado histórico artístico-teatral dessa região e referência para a construção artístico-teatral do presente e do futuro, e aí não só de Senhor do Bonfim e região. No espaço-tempo o universo parece infinito.
    
Tudo, nada e emoções  – Não vi Finos Trapos, de Vitória da Conquista/Salvador (“tem ator carioca também!”) apresentar Gennésius, nem vi o Casamento da Maria, não vi nada. Não pude ver nem a peça Condenados Inocentes, do José Carvalho, que em seguida legitimou e legalizou a homenagem ao autor e ao Padre Walter. Não vi depois da peça a entrega de placa aos atores vivos que nela atuaram há meio século. De fontes limpas sei que Antônio Jambeiro, Jaime Araújo e a Juju (Maria dos Santos Silva) estavam no auditório da Câmara entre os homenageados.  – Dá pra imaginar o tamanho da emoção daqui pro resto da vida desse pessoal? Respondam, homenageados! Esse povinho do coloquinho precisa disso, da medalha de vocês (é prum museu mesmo!) e de ganhar medalha também (prum museu também!). Quem imitar os feitos dessa turma prepare o coração pra mais tarde. Dizem que só tem um que não quer saber de teatro: “A não ser que me chamem pra um papel principal”. Não vi nada, mas quem viu tudo?  

Eureca, teatro encanta! – Registros, sensações e folclores vividos na dramaturgia da festa... A fala de dezenas personagens em cada três, quatro minutos de áudio sem a fotografia de instante. Desgraçadas fotografias que essa patota não mandou! (Alô, é Carla Lidiane? Com as suas oito, chego apenas a 13). Não solto o texto, nem com o apelo do Sérgio Teixeira, na comunidade virtual de bonfinenses do yahoogrupos. Não sou o “improvisador barato” pra essa gentalha do teatro? Pois, ou 40 e diversificadas, ou não solto um relato despido. A não ser que eu me encante inspirado no encantador improviso dos figurinistas de uma cidade vizinha (Antonio Gonçalves? Andorinha?), neste Colóquio. Disse um deles (Edmar Conceição?) na Mesa 5 que, outrora, em dia de apresentação da peça Paixão e Saudade, o primeiro espetáculo começava antes. Necessitados atores batiam na porta de viúvas, que eram imploradas a emprestar seus vestidos pretos. “Ou não teria teatro!”, bradou ele no seu relato. (Essa exclamação era uma chantagem às pobres viúvas ou um lamento revoltado?). O bicho falava de anos atrás, clamando e reclamando e... De repente parou, reviveu os vexames e sem respirar exclamou: “E era um encanto!”.

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