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segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

CAZUMBA Um ano de comemorações ao centenário de um povoado de Sr. do Bonfim



Em pouquíssimos dias e há pouquíssimos também: kiriris e ou pataxós bonfinenses cultos, ainda que numa acepção pouco assimilada, mas cultos, donos de sentimentos e percepções pau-a-pau com brasileiros fãs do Goeldi e franceses orgulhosos do Louvre... resolveram eternizar suas saudade e, pasmem, construíram um museu. Um, não! O museu. Museu do Cazumba.

Em suas exclusivas finalidades, o Museu do Cazumba não deve nada ao contemporâneo Guggenheim, a não ser um respeito recíproco naquilo em que eles se completam. No mais, igualam-se na diferença. Culturalmente é xou, xuá, cada macaco no seu galho...

Ante o feitio rústico do Museu do Cazumba um visitante neoglobalizado exclamaria: “Esdrúxulo”. Mas diante de um contemporâneo Guggenheim, um tabaréu “tabacudo” diria algo parecido, no sentido de que “é legal, mas não entendo”. Haja polêmica, não importa. Há diferença! A comunidade do Cazumba empregou, por baixo, 20% de mão de obra de sua População Economicamente Ativa só para erigir o imóvel. Mobilizou todos os que andam e falam no seu torrão só para pesquisar, descobrir e lavar o que fosse bom pro seu museu. Vasculhou, sacudiu e trocou os seus cem anos de (vale pensar em solidão) modorra por oito dias de energia caçando vestígios do seu passado. Com isso alterou o gráfico de produtividade e impactou o PIB da comunidade. E enfim deixou concentrada a coleção de preciosidades materiais de seu lugarejo: praticamente tudo que se tornara impagável por representar velhos hábitos, caras lembranças ou tédios inesquecíveis. O Cazumba sabe que um museu é o altar ao tempo. Sabe que não há indicador pra medir o desempenho cultural que potencializa sua comunidade desde a gigantesca empreitada. Tanto sabe que o porta-voz Durá deixou vazar: “muda tudo”, disse com a certeza de bom intérprete da alma do seu povo, e explicou porque (veja na matéria anexa, publicada em 13/12, um dia após o centenário).


 Na segunda-feira (19/12) que já bafeja o Natal, eles fizeram sala para minha revisita ao Museu do Cazumba: Maria das Dores (33) é a guarda-chave. Luciano Silva (25), Manoel Neto (25), Djalma Carlos (26), Jair Gonçalves da Silva (50), Márcio da Silva Cardoso (21), Totonho (85) é irmão de Dona Rosa (90), a matriarca alvo de todas as homenagens nos 100 anos do Cazumba. Todos estes fizeram qualquer coisa pelo museu.

Acervo – Uma chaleira de 1,5 litro, toda de ferro, pesando uns 3 quilos, foi aceita como presente, mas trazida de São Paulo... Oito bonecos de barro, antigos “feitos aqui”, disse Maria das Dores estão expostos. Vários vestidos antigos e um branco, de formatura: “foi de Zefinha das Lage e tem 137 anos”, é mais velho que o Cazumba. Então a Laje é mais velha, argumentei e das Dores respondeu: “Se for analisar é”. Máquina de costura manual, bem enferrujada também está à mostra.

Conca? – Uma pequena rede armada, para ninar criança está no museu como “uma herança”. E o licuri como tempero, conte um pouco Maria: “O tempero era o licuri, aí tinha dessas conca”... Como? “Conca!”. Desculpe, não entendi. “Conca. Uma conca”. Mas isso não é uma casca de licorizeiro? “É sim, era pra guardar os licuri, oi aí como ta cheio”. Ao nosso lado, duas fraldas dependuradas na parede e a explicação: “Naquele tempo era assim, não tinha guarda-roupa, não tinha cabide”.

Claudiano (28): “nasci ali debaixo do calumbi”. Me disseram que você veio de São Paulo! “Eu tô lá há oito anos, vim agora por caso da festa, do dia 12 (os 100 anos) e volto em janeiro”. “Aqui (no museu) tem muita recordação de minha família”, disse Claudiano estufando o peito. Adiante, uma bucha de lavar prato e a areia ao lado: “pra ariar panela” esclareceu Rosalvo. Uma combuca de sal, uma aba tipo orelha de barro na parede, perto do fogão, “para depositar o alho”, três ou quatro “cazumbeiros” explicaram. Na mesa: fufu de milho (farinha/milho torrado/sal) e fufu doce (farinha /licuri /açúcar). No chão, uma placa de cerâmica pra fazer beiju.

Edite Alves Cardoso é filha de Pedro Carlos Cardoso, irmão do fundador José Carlos Cardoso. Você já tem 62? “É, e tô novinha em folha”. Gostou da festa do dia 12/12? “Não teve arrelia, ninguém confusou, gostei”. Então a senhora é sobrinha do pioneiro cearense? “É a gente aqui é tudo Carlos ou Cardoso”. Eles sabem de tudo. Quem doou esse pilão, Edite? “Ele foi da mãe de das Dores”. Rosalvo (76) é uma figura. Fala pouco e aparece muito. Pousou em muitas fotos na porta do museu: “Nasci ali pertinho e continuo plantando mandioca”.

O bar do Dorival (Cardoso de Jesus, 36 anos) fica quase em frente ao museu. E aí Dorival, o que é que você tem pra dizer? “Adorei a festa”. E o museu pra que serve? “Pra ficar”. Fomos ao bar do Alberto (49), ao lado e mais próximo do museu. E essa sombra gostosa? “A sombra é boa em minha porta, mas o que a gente gosta mais é das cajazeira”.

O bate papo foi todo matutino, cevado a cerveja e cachaça de raiz, caçutinga, gengibre, pau-de-rato e outras folhas. Pedro Castor fotografou o que pôde, quase dá um flagrante na mística do lugar, famoso por não progredir no compasso do século 20. O humanista Paulo Machado deve vim sacando essa saga atípica e na condição de prefeito vem investindo no progresso do povoado, depósito de encantos que remetem a uma antropologia local – instigante ao olhar de gerações da bossa-nova e desinteressante à geração nascida o som de batidas eletrônicas.

Pra ficar - O Cazumba faz lembra o povoado de Macondo, somente pelos 100 anos agora feitos. Mas não é ficcional como a vila de Lhosa, tampouco seus moradores são melancólicos ou perderam a memória como no famoso romance. Pelo contrário, o Cazumba tá ligado. Seus moradores são protagonistas de um esforço monumental, a troco de preservar sua história. Sozinhos se investiram de construtores e como os melhores espécimes humanos sonhadores ergueram seu museu. Transcendente de interpretações ele está lá como a coisa mais importante para a vida de 300 almas, se é que chega a tanto. Nesta segunda-feira, Durá, estava na roça talvez plantando mandioca, feijão, melancia como os “do bar”: Dorival e Alberto. Na ausência do “professor” e acadêmico Durá, Alberto disse pra que veio o Museu do Cazumba: “Pra ficar”.
  



  


 



CAZUMBA
Um ano de comemorações ao centenário de um povoado
A comunidade se alegra, quer se informar das coisas, passa a ler, quer que os filhos estudem; muda tudo.
A comemoração aos 100 anos do Cazumba-1 chegou no dia 12/12 ao seu auge, Dona Rosa chegou aos 90 e, pelo entusiasmo coletivo, o povoado deve ter chegado a um certo ponto G de sua história. Com seguidas festas remetidas a 1910 – 2010, desde abril, a comunidade tirou um dia por mês para fazer rodas de conversas, cantorias tradicionais, desfiles de escolares, torneios esportivos, recitais de trovas e quadrinhas. Durá, o casal Laércio e Lucélia, Dona Judite e Nalvinha se juntaram à equipe da Secretaria de Integração Municipal e fizeram acontecer o que mais envaidece uma vila histórica, mas esquecida: reconhecer-lhe o valor. Ao Lado deles toda a comunidade.

Felicidade se explicaO mês do São João foi mais especial, porque pela primeira vez apresentamos nossa quadrilha no palanque oficial do grande circuito de Bonfim. O que significa isso, Durá? Para a nossa população foi a glória, até hoje estamos radiantes. Antes, agente se apresentava só aqui no terreiro. O terreiro é o largo mais central do Cazumba, também ele faz 100 anos de descalçado. Fica em frente ao prédio do Centro Comunitário, um pouco acanhado, mas Durá o descreve como a construção mais estruturada do Cazumba. Comunidade acomodada, hoje o Cazumba está sob festa total. Na solenidade, às 18h, entre bandeiras e perfilhamento popular, aplausos interrompem o discurso do prefeito Paulo Machado, que acaba de anunciar que em 2011 fará a pracinha (calçará o terreiro) e fará o Cemitério também, “senão Durá e esse povo me matam”. O contentamento invade os oito bares e os “brindes” aumentam. Viva o Cazumba!

O talismã de Dona RosaRosa Maria Cardoso é o nome completo da veneranda Dona Rosa, 90 anos feitos no último 11 de setembro, maior referência humana da comunidade e quase tão histórica como o Cazumba. Ali ela nasceu ouvindo o clamor da morte ainda recente de Antonio Conselheiro e o surgimento de Lampião. Nasceu tendo ao lado a árvore mais destacada da velha Cazumba, uma portentosa cajazeira que, da frente da casa de Carlos Cardoso (fundador do povoado) oferecia sombra e fruto para a família e dava boas-vindas qualquer chegante que de longe já a avistava. Um dia a velha cajazeira curvou-se de vez e feneceu. Mas atendeu a esperança de Dona Rosa, deixando saudades e sementes ao derredor. Logo cinco novas cajazeiras floresceram no perímetro do vilarejo e viraram símbolo dos moradores. Depois, símbolo oficial da Associação Comunitária e agora símbolo do Centenário do Cazumba. Há um culto ao ambiente, à natureza, às cajazeiras. Elas são um talismã para Dona Rosa (“eu respeito muito elas”) que há nove décadas respira e repassando infinito bom humor sob a generosidade desse verde protetor.

Com roupa simples de aldeã e chinelo nos pés como antigamente, Dona Rosa carregou a bandeira municipal de Senhor do Bonfim no “Desfile histórico: Cazumba ontem e hoje”. Dentro de um carro, é verdade, mantendo a simpatia e esbanjando disposição. Ela sabe que hoje e enquanto viva for será o símbolo de todos os símbolos da comunidade. Doou 90 anos de presença de vida no Cazumba para que ele ganhasse a placa de comemoração ao centenário. Todos lhe tomam a benção, os que vieram de Tanquinho, Cruzeiro, Passagem Velha, Picada, Barro, Pé do Morro, Cazumba II, Mamoeiro, Bonfim... logo perguntavam: Cadê Dona Rosa? Como a senhora está? – perguntamos. – Muito feliz, muito-muito feliz. Estou vendo parentes que nem esperava mais. E essa festa? – Tô com pena de acabar, eu quero que todo ano tenha. Ela disse o mesmo que Durá “todo ano”. Disseram do desejo da comunidade.

O museu, obra do povo

“É uma obra una, feita de fragmentos e apesar da fragmentariedade é inteiriça” (José Gonçalves)
A abertura e exposição do Museu surpreenderam pela concorrência. Motoqueiros de fora se aproximaram e a população local também. Todos queriam ver as antiguidades e recordações recolhidas por um batalhão de moradores. E a edificação ficou pequena. Quem entrava queria saber como eram os utensílios domésticos antigos usados no cotidiano de 50, 70, 100 anos, lá nos primórdios do Cazumba. Ferro de engomar a carvão, chaleiras, vestuários, fotografias. Entre os impressos, um livro didático com título de 1911. Pilão, acessórios de montaria: celas, cangalhas, arreios. Candeeiros alimentados à cera (espiral de algodão untado com cera) e relíquias da religiosidade, como um antigo oratório.

Se no interior o acervo é curioso, a estrutura física do museu imprime mais espanto. Dona Judite fez a doação do terreno. Organizadores planejaram a coleta de peças para formar o acervo inicial; o uso do espaço a ser construído; e os materiais a serem consumidos na edificação. Após uma semana o imenso mutirão cumpriu todas as tarefas. A última foi a construção do museu, que se deu em apenas um dia. Engenheiros, arquitetos e obreiros usaram vara, cipó e barro pisado – para erigir as paredes; caibro, ripa e telha – para a cobertura. Dimensão, 12 m2 de área construída (3x4); altura, 3m de pé-direito. Estilo pau-a-pique clássico sertanejo. Desaprumo vertical visível, contudo seguro. Observação: A teoria dos cinco minutos, da antiga engenharia sumeriana, segundo a qual, passado esse tempo, se a construção continuar de pé a obra está aprovada, não precisou ser usada no Cazumba. Justificativa: construção de taipa enverga e até balança, mas não cai. Terminada a construção, o letreiro foi artisticamente feito: “Museu do Cazumba”.
A obra realizou a comunidade, orgulhosa de poder guardar, conservar e expor peças que contam a sua história. A visitação dos próprios moradores na abertura mostrou o sentimento. É impressionante como eles se envolveram e como sabem trabalhar em conjunto, valorizei – admirou-se a servidora Damir Duarte (da Integração), que acompanhou a semana de trabalho coletivo para a construção. Nas mesmas condições de acompanhamento, o poeta e escritor José Gonçalves resumiu: Eles sabem usar os recursos disponíveis para chegar a resultados universais; é um museu: uma obra una, feita de fragmentos e apesar da fragmentariedade, é inteiriça.
Antonio Ferreira da Silva, o Durá, 48, casado, filhos, nativo, segundo grau completo, pesquisador, poeta e compositor é criador do hino do Cazumba. Músico, intérprete e “professor” para toda a da comunidade. Hoje ele foi chamado e substituiu o locutor oficial na festa da comunidade. Afinal, quem é você Durá? – Eu sou da agricultura familiar, nasci ali na fazenda Urubu, um educador popular. Durá é um sujeito de natureza introvertida, de boa memória e cultor de mil aprendizados. Escreve tão sinteticamente quanto fala, com propriedade e correção. Por esses méritos é membro da Academia de Letras e Artes de Senhor do Bonfim. Não se nega a tarefas mis, solitárias ou coletivas. Admirado dentro e fora da comunidade, ele chama atenção pelo que diz ou faz. Fiz só umas seis a sete músicas. A mais importante ele mesmo diz: É o hino do Cazumba, que acabei de gravar. Porque? É bom? “A comunidade gosta, aprendeu logo e todo mundo aqui canta”.

O acadêmico Durá – Para Durá, a comemoração do centenário deu novo ânimo ao povoado: O lançamento da cartilha ‘CAZUMBA-1: 100 de resistência e luta, uma história pra contar’ fez a gente se sentir na história. Como é esse se sentir na história? Dá pra explicar?  Sim, a comunidade se alegra, quer se informar das coisas, passa a ler, quer que os filhos estudem; muda tudo – diz ele. O Cazumba tem cerca de 50 casas, 50 famílias e talvez não passe de 300 moradores. Tem oito pequenos bares. Retomando o passado Durá informa: Até 1980, a gente tinha pouco mais de 10 casas, aí veio o salto e algum progresso. Progresso que Durá troca em miúdos: dois carros, cinco motos, televisão em quase todas as casas e dois computadores comunitários. Estes são os bens da estatística atual .
A Irmã Marinalva é outra grande referência do povoado. Filha da terra, ela é freira e voltou do convento para o Cazumba. Tem tradição, é neta do primeiro morador e está residindo aqui. Anda adoentada, mas é um bom reforço, diz Durá. Joaquim e Totonho (moradores) e Simão (atualmente fora) são apontados como gente admirada no lugar. Depois das apresentações culturais, com banda religiosa, queima de fogos, hasteamento das bandeiras da Bahia, Brasil e Senhor do Bonfim; exibição dos hinos nacional, municipal, estadual e do Cazumba, restou às bandas: Xote Colado e Gata Morena encerrarem o evento com show pro povão.
Prestígio - Josias Paulo, Carlos de Tijuaçu, Lucia Cerqueira Silvana Ozelina, Damir Duarte, José Salgado, Reinaldo Santana do STR, Ritinha do MPA são dos muitos que prestigiaram o Centenário do povoado, que também contou com cobertura total da Assessoria de Comunicação: locução, fotografia, cinegrafia e jornalismo durante todo o dia do encerramento de uma ação do Governo que se estendeu por todo o ano de 2010.

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