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segunda-feira, 4 de julho de 2011

Albino Rubim profere palestra na Funesc sobre Políticas Públicas e o Governo Lula


wscom.com

02/07/11 - 12:03 - Atualizado em 02/07/11 - 14:24

Secretário de Cultura da Bahia é ex-professor do Departamento de Comunicação

O Secretário de Cultura da Bahia, professor doutor Albino Rubim, chega neste domingo em João Pessoa para proferir palestra nesta segunda-feira, às 9 horas, na Funesc, sobre “Politicas Públicas e o Governo Luna”, dentro de uma ação comum do Departamento de Comunicaçao e Turismo, Itau Cultural e Governo do Estado.

Albino Rubim é conhecido em João Pessoa por algumas gerações de ex-estudantes de comunicação da UFPB, antigo DAC, além de ser uma referência no debate e realização de ações no campo cultural.

Na WEB, um recente debate no SBPCCultural dimensiona seu olhar sobre a temática:

Qual a importância da discussão sobre identidades culturais para a sociedade baiana hoje?

Hoje em dia, no mundo globalizado, isto é, num mundo onde a globalização se torna um movimento importante, isso fez emergir vivamente em todos os lugares uma rediscussão da questão da identidade, em termos novos, não mais em termos antigos (identidades de nações ou identidades de classes, que eram os dois grandes conformadores de identidade). Agora, há uma coisa muito mais múltipla, várias possibilidades de identidades, inclusive identidades a serem realizadas, exercidas simultaneamente. Então, nesse quadro geral, a questão das identidades culturais - no plural - torna-se algo extremamente importante. Isso também é reforçado pela situação específica da Bahia. Eu diria o seguinte: todos aqueles locais onde, nesse contexto global, há certa densidade cultural, tradições culturais, o tema das identidades culturais é extremamente vigente. 

Mas alguns pesquisadores dizem que essa "baianidade" é também uma identidade construída para satisfazer interesses como os da indústria do turismo, por exemplo. 


Toda identidade é construída, e fabricada. Toda. Não existe uma identidade que seja espontânea. Ela pode ser construída de maneiras diferentes, mas sempre é construída. A identidade não é uma coisa natural. É sempre socialmente construída, culturalmente construída. E construída sempre levando em conta interesses. Não existe ação social que não seja orientada de alguma maneira por interesses. Quando uma nação construiu sua identidade nacional, isso estava ligado a interesses, sejam eles políticos - um estado-nação forte -, sejam eles econômicos - um mercado nacional -, algo importante em termos econômicos. Sempre foi assim. 

E como a construção de uma identidade hegemônica - identificada na Bahia e no Brasil a partir do termo "baianidade" - interfere na sobrevivência ou na re-significação de outras identidades, que também fazem parte da Bahia, mas não são tão reconhecidas?

Os autores mais pós-modernos falam dessa "multi-possibilidade simultânea" de identidades. É verdade que as fontes identitárias se multiplicaram e foram criadas condições maiores, através das redes de sociabilidade, de redes de comunicação cada vez mais amplas e múltiplas, da construção de identidades, sem nenhuma dúvida. Mas acontece que as identidades que se tornam hegemônicas tendem muito a aniquilar as outras identidades, outras possibilidades de identidade. As "múltiplas identidades" não são uma coisa tão simples, não querem dizer que agora vivemos no melhor dos mundos. Continua havendo dificuldades para que possa emergir uma diversidade de identidades. Existe uma série de fatores, como interesses políticos, econômicos, culturais que tendem a centrar-se em identidades mais comuns, mais compartilhadas. E, por outro lado, o ser humano, independentemente disso, tem um certo espírito gregário. Ele gosta de se sentir pertencendo a determinados grupos. A identidade é também um texto, um discurso que tem uma boa recepção das pessoas, porque as pessoas querem ser acolhidas, querem se sentir estando em algum lugar. Eu diria que esse discurso hegemônico tende muito mais a dificultar a emergência de outras identidades. Mas, claro, existem outras identidades que, se não já estão formuladas, são potenciais em qualquer lugar. E o predomínio de uma delas sobre outras é histórica. Mesmo essa identidade baiana, da maneira como está dada hoje ("a Bahia é uma festa"; "o baiano não nasce, estréia"), não existia na metade do século passado. É uma construção para a qual contribui um conjunto infinito de autores, sejam eles reconhecidos culturalmente, intelectuais, artistas, sejam autores praticamente desconhecidos, pessoas do povo, que vão também alimentando esse tipo de identidade. Mas, como dizia Guerreiro, "a Bahia é um território em pedaços". Existem regiões e grupos sociais muito diferenciados, identidades potencialmente muito diferenciadas - que não precisam estar, necessariamente, construídas. O que aconteceu na Bahia é que essa identidade baiana é de tal maneira forte, que ela tendeu a aniquilar as outras, impedir que as outras emergissem. Portanto, isso significa uma grande afirmação de uma identidade, de uma coisa comum que define os baianos, e uma grande negação de outras possibilidades. 

Ao mesmo tempo que o senhor fala da identidade hegemônica aqui na Bahia, que tende a aniquilar as outras, fala-se muito também do mundo atual como o mundo do respeito à diferença e do reconhecimento da diferença. 

Não seria um papel também das políticas culturais públicas dar uma ênfase a essas outras identidades e a seus produtos artísticos? 

São duas coisas diferentes. Que se confundem, mas são diferentes. Uma coisa é falar de produtos culturais. Outra coisa é falar de identidade, muito embora as políticas públicas de cultura sempre tenham relacionado as duas. É fácil dizer que as políticas públicas de cultura, em qualquer lugar do mundo, têm de buscar uma certa diversidade. Porque o alimento da cultura é a diversidade. Estou cada dia mais convicto de que a cultura não se faz pelo igual, pelo homogêneo; se faz pela diversidade, pelo diferente. Exatamente no choque entre diferenças é que se tem os bons momentos culturais. 

Por que a Bahia, nos anos 50, foi tão importante e criou aquela geração de intelectuais?

Porque aqui se cunhou um ambiente de trocas - portanto um ambiente de diversidade - muito interessante, onde a universidade tinha um papel destacado. Existia uma troca de muitos registros culturais diferentes. Daí surge uma elaboração cultural singular. Então, qualquer política pública de cultura tem que correr atrás da diversidade, não importa a situação. O que não é tratar todos os produtos no mesmo patamar. Eles são diferenciados. Há os produtos locais - uma política pública tem que dar conta disso -, mas também tem que tratar sempre os produtos nacionais, os produtos internacionais, porque senão ela se torna uma coisa provinciana. A maneira mais fácil de aniquilar uma cultura é colocá-la no isolamento. Preservar a cultura é a pior coisa que existe. A cultura que quer ser preservada numa redoma está morrendo. A cultura deve ser colocada o tempo todo em contato com outras culturas. A questão é de como fazer esse contato, que não pode ser de uma perspectiva subalterna e deve privilegiar sempre o respeito, o reconhecimento e a dignidade. Senão ela estará numa relação de desigualdade, tendendo a "ajoelhar-se" perante os outros produtos culturais. Mas cortar as possibilidades de troca é impensável, não existe. 
Quando se discutem as identidades, tudo se complica. Os textos identitários são discursos que buscam a coisa compartilhada, a coisa que é comum. Não buscam o diferente. Afirmam-se pela - como diz o nome - identidade, e não pela diferença. Os produtos ainda não estão totalmente inscritos numa teia de identidades. Posso pegar um produto de uma determinada cultura, de uma identidade determinada e colocar em outro lugar. Eu trago junto parte do discurso identitário que está colado àquele produto, mas não trago toda a identidade. Quando estou falando de identidades, não se trata de produtos isolados. É uma espécie de amálgama, que une aqueles vários produtos e lhes dá um sentido. Quando falo em identidade cultural, é algo além dos produtos. Ela se realiza pelos produtos, mas está além, costura aqueles produtos, faz com que tenham alguma coisa em comum, compartilhada. Aí é mais complicada a questão da diversidade versus identidade porque a identidade sempre tende a ir contra a diversidade. É uma situação meio paradoxal fazer uma política cultural que trabalhe uma pluralidade de identidades. 

E identidades que se afirmam por gênero, como a identidade feminista/feminina? Ela também não se afirma, pela diferença, a uma noção de sociedade masculina, por exemplo?


Mas toda identidade é uma construção de coisa comum que se afirma perante algo. A identidade sempre supõe o outro, para o bem ou para o mal. A questão aí é interferir numa sociedade a partir de políticas públicas, dando um suporte para a emergência dessas várias identidades simultaneamente. Não acho que seja uma questão simples. Pode até ser fácil formulá-la no discurso, mas em políticas públicas práticas, efetivas, é difícil. A tendência das políticas públicas no campo da cultura, até hoje ou até bem pouco tempo atrás, era garantir a afirmação de determinadas identidades. Afirmação de identidades fortes. Sempre se colou, por exemplo, a questão da identidade com a questão da nação, com a afirmação da cultura nacional. Repensar uma outra possibilidade de uma política pública que vá atrás da diversidade (e não de produtos, mas de identidades diferentes) e faça essas identidades conviverem, interagirem, não é facilmente formulável, em termos de política cultural. É um grande desafio. 

Em que medida a discussão de identidade cultural interfere no fazer artístico da Bahia?

Em determinado momento, a afirmação de uma identidade, unindo identidade baiana com identidade afro-baiana - que é algo recente, começando nos anos 70/80 -, foi feita de tal forma, que pode trazer graves conseqüências para a cultura baiana. Justamente porque esmaga muito a diversidade. Essa colagem entre uma coisa e outra foi tão poderosa, e utilizando recursos tão poderosos, que isso pode ter repercussões muito negativas para a criação cultural e artística na Bahia. De coisas, inclusive, que não tenham essa marca. A Argentina tem aquela marca identitária que é o tango. Mas existiu lá um tango que renovou muito o tango tradicional. Em Pernambuco, com o Mangue Beat e o Mestre Ambrósio, isso também aconteceu. Na Bahia, uma das coisas que considero temerosas é que a cultura do axé e do pagode - embora o segundo tenha vindo mais tarde, alterando um pouco o cenário - não contou com a incidência de movimentos de vanguarda e renovação. Foi incapaz disso até agora. De um movimento que a articulasse com outros elementos, criando novas possibilidades. O que significa que ela está paralisada. Inclusive porque foi se tornando muito repetitiva. Em determinado momento, não havia coisas novas, mesmo que sem uma alimentação de fora. Hoje em dia, os próprios conjuntos de pagode e axé são muito iguais. Não há um diferencial, uma coisa nova, diferente. Essa super-identidade, se, em determinado momento, foi importante - constituiu, por exemplo, uma indústria da cultura, uma indústria da música fora do eixo Rio-São Paulo (algo fundamental) -, em outro, inviabilizou trocas culturais. E ela pode entrar numa paralisia tal, que se esgote. Porque as identidades também se esgotam.

Quanto à possibilidade de identificação como baianos e brasileiros. Como fica essa relação?

A identidade nacional, brasileira, puxava alguns elementos de partes do Brasil, mas era mais fortemente identificada com o Rio de Janeiro. O Rio era o grande suporte da identidade nacional. Se se pensasse, por exemplo, o samba, lembrava-se do samba do Rio mais do que do de outros lugares. Quando se pensava mulher, mulata, tinha muito a ver com o Rio também. O Rio, até um momento, era o grande inspirador de uma identidade nacional. Ainda que essa identidade recolhesse elementos aqui e ali, como a "baiana" etc. Hoje, não. Hoje, a identidade nacional está um pouco em crise, em declínio. Por várias razões. Por haver hoje uma crise dos estados-nações, devido à globalização, por exemplo. Uma crise do discurso mais nacionalista. As forças nacionalistas no Brasil declinaram muito. Há um discurso da globalização, da internacionalização, de articular-se com o primeiro mundo, de ser primeiro mundo. Isso vai muito contra um discurso que falasse sobre a peculiaridade do Brasil, da importância do Brasil, da singularidade brasileira. Então, nesse contexto, os discursos regionais cresceram também. Agora, é engraçado que esse discurso nacional tem que se integrar, permear toda a nação, e isso foi algo recente no Brasil, já que não existia uma nação brasileira articulada até os anos 30. Com o estado nacional forte, esse discurso começa a ser construído, mas a "brasilidade" só atinge realmente proporções amplas nos anos 70 e 80 com a ditadura militar e com a televisão, que também - via principalmente telenovelas e o jornal nacional - tem um papel fundamental na constituição de um imaginário nacional. Então, isso é uma coisa extremamente recente. E logo depois que essa identidade nacional está mais ou menos posta, ela começa a entrar em crise, e emergem as identidades locais, o que eu não acho nem que seja um fenômeno só brasileiro, na verdade. Talvez, no momento da globalização, as pessoas precisem se sentir pertencendo a determinados lugares, talvez elas não queiram ser jogadas na globalização sem uma identidade local. Então, há toda uma emergência do local, dos governos locais, não é só algo do plano cultural, das identidades, mas também em outros planos, como o político. Há uma revalorização do local e das regiões. 

E do convivencial também? 


Bom, o cotidiano, hoje, é uma coisa perpassada pelo vivencial, pelo televivencial, pelos espaços geográficos e eletrônicos. É totalmente mesclado. Então, não é uma volta para o local, o vivencial ao estilo antigo. Há um estilo novo. É como se a situação de estar sendo perpassado o tempo todo por fluxos culturais globais fizesse com que as pessoas, as comunidades, os entes sociais, quisessem ter alguma identidade, para não serem levados por esse "fluxo cultural global", é como se precisassem de algum tipo de raiz, para não serem totalmente desterritorializados. É uma espécie de reterritorialização, mas de uma outra maneira, numa situação outra, podemos dizer. 
Então eu acho que a identidade nacional deve continuar resistindo, deve se redefinir. Só não sei se ela pode se manter nessa estrutura. Talvez tenha que se abrir para uma diversidade maior. É uma possibilidade. Eu digo o seguinte: a história sempre é uma coisa em aberto. A história é criação, então a gente pode falar de tendências, mas não sabe exatamente o que vai acontecer. Ainda bem que não sabemos. 
Eu falei da importância de pensar a identidade num mundo globalizado, aliás, muito menos globalizado e mais "glocalizado" (global + local), essa tensão entre o global e o local, onde essas coisas se afirmam e têm composições, mas têm também conflitos. Mas essa questão da identidade muda muito, porque nós temos um mundo hoje onde as redes de sociabilidade e as redes de comunicação que têm a ver com essas redes de sociabilidade são muito mais amplas. Não existem mais só aquelas redes de sociabilidade tradicionais, por aproximação, por convivência, por proximidade geográfica quase. Em um dado momento, as identidades estavam totalmente coladas e cunhadas a isso, a questão do território, da convivência no território comum etc. Hoje, a questão da identidade é mais complicada, porque, para você criar "comunidades imaginadas" (para usar o termo de Benedict Anderson), isso não é feito mais só pelo território, pela proximidade física e geográfica. É feito também por outros tipos de rede, como, por exemplo, a identidade punk, baseada no contato entre pessoas. Então tudo muda muito. E a participação da mídia nisso é fundamental.

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