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sábado, 11 de junho de 2011

Marieta Severo, uma mulher de teatro


terramagazine.terra

Deolinda Vilhena
De Salvador (BA)

Socorro e Zaninha, as carpideiras de "As centenárias" (Foto: Nana Moraes/Divulgação)
O fato de ter enveredado nas coxias do teatro brasileiro muito cedo, debutei aos 17 anos, fez com que muito cedo aprendesse muitas coisas. Coisas por vezes agradáveis, por outras nem um pouco. Uma das mais sérias e dolorosas, foi ter compreendido, antes do 20, que não há nada que obrigue um grande artista a ser um grande humano. Ainda que possa parecer um paradoxo, são coisas completamente diferentes. Perdi a conta de quantas vezes quebrei a cara. Houve um momento em que desisti de querer uma aproximação dos meus ídolos. Tudo para me proteger de eventuais decepções. De perto ninguém é normal. Entretanto, toda regra tem sua exceção e hoje vamos falar de uma dessas exceções: Marieta Severo.
Aproveito a passagem da peça de Newton Moreno, As Centenárias, dirigida por Aderbal Freire-Filho, estrelada por Marieta e Andréa Beltrão, pelo Teatro Castro Alves para contar aos meus leitores um pouco mais dessa atriz que conseguiu inscrever seu nome no panteão matriarcal do teatro brasileiro.
ENTRE ELEGÂNCIA, BOM GOSTO E SABEDORIA

Dame Marieta Severo (Foto: Nana Moraes/Divulgação)
Marieta Severo é desde sempre um nome presente em minha vida. A primeira lembrança que tenho dela está relacionada a minha fase de noveleira convicta. Estávamos nos anos 60, 1966 mais precisamente, tinha euzinha apenas 7 anos, quando a então novata, Rede Globo produziu O Sheik de Agadir, da Glória Magadan, baseada num romance de Gogol. No elenco, além de Marieta, Yoná Magalhães, Amilton Fernandes, Claudio Marzo, minha amada Leila Diniz e Henrique Martins fazendo o Sheik de Agadir e assinando a direção da novela em parceria com Régis Cardoso. Marieta fazia uma princesa que não era só princesa, era também uma assassina...enfim um novelão digno de sua autora, Glória Magadan. Ano seguinte Demian, o justiceiro, traz no elenco Marieta Severo ao lado de Carlos Alberto transformado numa espécie de Zorro e dividindo com Yoná Magalhães, Diana Morell - uma das mais belas atrizes que conheci, dona de uma voz deslumbrante - o estrelato.
O tempo passa, o tempo voa e de garotinha virei pré-adolescente. Nessa época a Marieta passou a ser uma referência de verdade. Foi quando decidi fazer teatro e as atrizes me fascinavam. Mas ela, além de atriz, era a mulher do Chico Buarque de Hollanda, meu ídolo máximo e uma das raras unanimidades desse país. Ninguém é por 30 anos mulher do Chico por acaso. Tem que ser muito mulher para segurar essa onda, sem se deixar aniquilar pela figura do homem genial, marido e genro ideal no imaginário feminino do país.
Acompanhei a saga do casal e na sequência da família. Meio que de longe porque eles sempre foram avessos à exposição da vida privada. A militância política. As agressões sofridas com Roda viva. O exílio forçado. O nascimento da primeira filha, Silvinha, na Itália. A volta para o Brasil. A carreira do Chico arrebentando e Marieta, dando um tempo na TV, fazendo teatro sempre e dedicando-se com afinco a criar as meninas, cantadas lindamente por Chico em As minhas meninas... Além da Silvinha, a Helena e a Luiza, sem falar na Janaína, filha da Leila Diniz e do Ruy Guerra, que perdendo a mãe com apenas sete meses de vida encontrou em Marieta, grande amiga de Leila, a melhor herança deixada pela mãe.
Mas, apenas em 1977, aos 17 anos e já trabalhando na Companhia Maria Della Costa, vi Marieta no palco pela primeira vez fazendo Os Saltimbancos. Um dos mais belos espetáculos infantis que vi na vida. Mas posso dizer que foi em 1978, que o talento de Marieta me seduziu para toda a eternidade, quando a vi no Teatro Ginástcio fazendo A Ópera do Malandro. Depois seria uma sequência de espetáculos que só confirmariam a grande atriz que ela é: No Natal A Gente Vem Te Buscar, Aurora da minha vida, Um Beijo, Um Abraço, Um Aperto de Mão, Ligações Perigosas, A Estrela do Lar, do meu querido Mauro Rasi, Torre de Babel, do não menos querido Gabriel Villela, em A Dona da História e em Quem Tem Medo de Virgínia Woolf, quando a vi em cena pela última vez...e de repente descubro que já lá se vão dez anos...
Nesse meio tempo tive o privilégio de trabalhar com uma das maiores cantoras desse país - e um dos melhores seres humanos que conheci - Clara Nunes. Entre as muitas lembranças desses dois anos passados ao lado de Clara, algumas envolvem Marieta e Chico Buarque. Relato aqui duas, ambas datam de 1982. Estava eu tranquilamente trabalhando no escritório da Odara, empresa da Clara situada no segunda andar do Teatro Clara Nunes no shopping da Gávea, quando recebo uma ligação da própria. Ela estava nos estúdios da Odeon na Mena Barreto, preparando aquele que seria seu último disco, Nação e acabara de receber um telefonema do Chico avisando que a música dela estava pronta e que ela poderia mandar buscá-la. Essazinha que vos escreve foi incumbida desse serviço básico: ir à casa de Chico Buarque pegar uma fita cassete com uma música recém-saída do forno buarquiano para o vinil da Clara. Confesso que tremi. Peguei um táxi e rumei para a casa dos Buarque, lá no alto da Gávea, não muito longe do teatro. Pedi ao táxi que me esperasse, pois imaginava receber um pacote e partir. Qual nada...Fui recebida por Marieta, e informada que Chico estava falando ao telefone e viria me ver em seguida...pois ele veio, e não me entregou a fita. Convidou-me para ouvir a música. E depois me perguntou o que eu achava...quase desmaiei de emoção. Isso não é coisa que se faça com uma simples mortal...A música era Novo Amor. Sai de lá em êxtase...deixando para trás um casal lindo como deveriam ser todos os casais do mundo enquanto unidos pelo amor.
Meses depois, em meio a primeira eleição direta para governador depois dos anos de chumbo, Chico à frente de vários artistas e em articulação com o CEBRADE, Guguta Brandão e companhia, organizava as viagens de apoio aos candidatos do PMDB - em Minas Tancredo, em Pernambuco Marcos Freire, em Sampa Franco Montoro, no Rio Grande Pedro Simon e vai por aí...no Rio era Miro Teixeira e ai os artistas e intelectuais fecharam com o Brizola que era PDT...e no último comício Clara e Paulo César Pinheiro transformaram a casa do Jardim Botânico, lá na Eng. Alfredo Duarte, em ponto de partida para a Cinelândia. Várias pessoas passaram por lá. Mas lembro-me, como se fosse hoje, de Marieta e Chico, Angela e João Bosco. E o melhor pedaço da história. Temendo a confusão no centro do Rio, fomos de carro até Botafogo e de lá seguimos de metrô para a Cinelândia. Sim, eu já andei no metrô do Rio com Marieta Severo e Chico Buarque, com Angela e João Bosco, e com Clara Nunes...na época não havia nem celular nem máquina digital para registrar um momento desse...mas a memória está ai pra isso mesmo...eu me lembro...
Vocês podem ver que a minha queda por Marieta não data de hoje, mas confesso que o golpe de misericórdia foi dado quando mostrou seu lado mulher de teatro da maneira mais bonita possível: comprando um teatro. Em 2005, ao lado da amiga e comadre, Andréa Beltrão, inaugurou o Teatro Poeira, em Botafogo, Rio de Janeiro. Um sonho antigo das atrizes, no qual investiram mais de 1,5 milhão de reais, e sobre o qual passaram mais de dois anos envolvidas diretamente nas obras do antigo casarão que abriga o teatro. Na época da inauguração uma repórter perguntou a Marieta qual era a principal diferença entre a Marieta de 20 anos e a Marieta de hoje? A resposta dela é linda: "aos 20 anos, achava que o teatro era a coisa mais importante do mundo e era através dele que eu conseguiria revolucionar o País e o ser humano. Hoje, de certa forma, ainda acredito em alguns desses ideais. No momento em que invisto minhas economias na construção de um teatro, em que dedico meu tempo e minha energia a esse espaço, é porque acredito no poder que o teatro tem de tocar as pessoas.". Quem faz teatro pode medir a força dessa declaração.
Nos últimos anos encontrei Marieta, diversas vezes, em Paris. Ora no Théâtre du Soleil, dileta amiga que é de Juliana Carneiro da Cunha e admiradora do trabalho de Ariane Mnouchkine. Ora nas ruas da Cidade Luz, numa das últimas vezes estávamos em pleno inverno parisiense e ela desfilava sua elegância natural ao lado de Aderbal Freire-Filho na avenida do Champs Elysées...porque Marieta além de tudo o que a gente falou aqui é bem nascida, classuda e tem bom gosto...basta dar uma conferida no seu repertório, nos parceiros de trabalho...
Tudo isso contribuiu para fazer dela uma atriz premiadíssima. Confiram comigo: por seu trabalho em A Estrela do Lar, conquistou o Mambembe, o Molière e o prêmio Shell. Por sua atuação em No Natal a Gente Vem te Buscar foi duplamente premiada: Mambembe e Molière, ambos em 1981. Além de ser produtora de espetáculos muito importantes, alguns inesquecíveis, contando sempre com a parceria de prestigiados diretores: Gianni Ratto, Paulo Affonso Grisolli, José Celso Martinez Corrêa, Luís Antônio Martinez Corrêa, João das Neves, Antônio Pedro, Naum Alves de Souza, Gabriel Villela, Felipe Hirsh, Mauro Rasi, João Falcão, Aderbal Freire-Filho e tantos outros.
Antes que digam que anunciei escrever sobre a Marieta e acabei contando a minha vida, faço um parênteses para dizer que um artista muitas vezes não tem ideia de como sua presença marca a vida do seu público. Assim como o público não tem noção disso. Só no momento de escrever essa coluna, me dei conta de quantas histórias a Marieta escreveu na minha vida, sem que ela mesmo saiba... e é com muito prazer que irei aplaudi-la hoje no Teatro Castro Alves e tenham certeza de que não perderei a oportunidade de agradecer cada um desses momentos guardados na minha memória e que, graças a passagem de As Centenárias por Salvador, pude reviver. Obrigada Marieta, pela atriz extraordinariamente talentosa, inteligente e dedicada. Obrigada pelas lições de como administrar uma carreira com bom gosto, elegância e sabedoria. Obrigada pela grande atriz que você é, mas grandes atrizes existem muitas. Por isso, obrigada pelo belo ser humano que você é, seres humanos belos estão em extinção.
AS CENTENÁRIAS EM SALVADOR

Detalhes do cenário (Foto: Luccas Cunha Opus)
Duas das maiores atrizes brasileiras, Marieta Severo, Andréa Beltrão estarão em cena hoje no palco principal do TCA. Ao lado delas o ator Sávio Moll. Os soteropolitanos terão a oportunidade de descobrir as delícias da comédia As Centenárias, que chega às terras do Senhor do Bonfim após quatro anos de estrada, a estreia foi em 2007.
Enorme sucesso de crítica e de público, o espetáculo conquistou os maiores prêmios dedicados ao teatro no Brasil, entre eles o Prêmio Shell (melhor atriz para Andréa Beltrão, melhor cenário e melhor autor), Prêmio Contigo! (Melhor atriz para Andréa Beltrão, Melhor espetáculo de Comédia por júri e voto popular e melhor autor) e Prêmio Qualidade Brasil (Melhor atriz para Marieta Severo, Melhor Diretor e Melhor peça de comédia).
Com texto de Newton Moreno e direção de Aderbal Freire-Filho, o espetáculo apresenta, da juventude até a velhice, a vida das carpideiras. Socorro, experiente na profissão e maternal nas relações humanas; e sua colega Zaninha, carpideira mais nova, voluntariosa e ainda inexperiente. Amigas, as duas se apresentam ao público em dois diferentes tempos: em 1921, quando se conhecem ainda jovens e começam a amizade; e em 2006, já velhas e cheias de causos impagáveis para relembrar e refletir.
Através de Zaninha e Socorro, Newton Moreno explora, de maneira divertida, o tema da morte, seus ritos e as personagens que a tradição popular evoca. Um vasto repertório de causos registra a dupla e importante missão das carpideiras dentro do ritual que envolve a morte: confortar os familiares e tentar enganar a indesejada, aplicando todo o seu saber fundado na esperteza e na dissimulação. Dizem que são centenárias, que nunca morrem porque fizeram pacto com a "Patroa". Explorando o imaginário popular, a peça é um programa imperdível, e segundo Bárbara Heliodora, crítica do jornal O Globo "garante excelentes momentos de risadas, sem deixar de lado a reflexão."
SERVIÇO AS CENTENÁRIAS
Texto: Newton Moreno
Direção: Aderbal Freire-Filho
Elenco: Marieta Severo, Andréa Beltrão e Sávio Moll
Cenário: Fernando Mello da Costa e Rostand Albuquerque
Figurinos: Samuel Abrantes
Iluminação: Maneco Quinderé
Trilha Musical: Tato Taborda
Pesquisa de repertório das incelenças: Silvia Sobreira
Bonecos de cena: Miguel Vellinho / Bonecos do cenário: Mestre Tonho e Ivete Dibo
Quando: hoje e amanhã às 21h
Onde: Teatro Castro Alves - Praça Dois de Julho,s/n - Salvador
Quanto: R$ 80 (sex. e dom.) e R$ 90 (sáb.)
Informações: (71) 3117.4899
Ingressos: Filas A a P - R$ 120 / Filas Q a Z6 - R$ 80 / Filas Z7 a Z11 - R$ 60


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