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segunda-feira, 20 de setembro de 2010

325 anos de fé e resistência do povo negro

Irmandade do Rosário dos Homens Pretos mantém tradição de luta por afirmação social e solidariedade
A Ordem 3ª do Rosário de Nossa Senhora às Portas do Carmo, mais conhecida como Irmandade do Rosário dos Homens Pretos, é um dos mais importantes marcos históricos, culturais e religiosos da cultura negra no País. A ordem está completando 325 anos da resistência negra iniciada no período escravista.

O traço africano está nos instrumentos como atabaques, agogôs, do ritmo ijexá, e de expressões em iorubá em algumas cantigas.

O acarajé e o mugunzá estão integrados ao ofertório das missas em comemorações específicas.A criação das irmandades católicas tinha o intuito de popularizar determinadas devoções, no período da Contrar reforma, e ser instrumento eficaz de catequese.

Já a agregação por categoria ou profissão, comum na Europa, sofreu impacto da chegada dos africanos em Portugalenos seus domínios.

“Nesse novo contexto, a divisão racial passou a ser a tônica na organização das irmandades em Lisboa e nas terras conquistadas”, explicou a historiadora Lucilene Reginaldo, autora de ‘Os Rosários dos Angolas, irmandades africanas e crioulas na Bahia setecentista, que deve ser no início de 2011.

Mas em Salvador, o instrumento de controle do império foi subvertido pelos escravos e libertos da época, que enxergaram a possibilidade de gerir recursos para realizações dos propósitos de prestígio social e ajuda mútua em casos de alforria, doença ou morte. “Além de fazer a gestão de contas o reconhecimento do Estado e da Igreja, permitia aos membros daí rmandade contato com os canais de reivindicações oficiais”, explicou Lucilene.

Documentos fixam o ano de 1685 para fundação da Irmandade, que teve a Sé Catedral da Bahia como primeira sede. É o ano da aprovação eclesiástica do estatuto, embora os registros apontem a existência da devoção, praticada inicialmente por angolas e crioulos, desde 1604 ou antes.No Brasil, o Rosário dos Pretos do Pelourinho é a terceira, precedida pelas irmandades do Rosário de Nossa Senhora do Rio de Janeiro (1639) e Belém (1682).

Ao longo dos séculos de existência, a disputa pela autonomia e visibilidade teve marcos como o ano de 1718, com o surgimento da Freguesia do Passo. Desmembrada da Sé, ela ocupou até 1740 a capela do Rosário dos Pretos.

Mas, ao perceber o risco de perder o controle e a sede, os Homens Pretos exigiram seus direitos. “A irmandade encaminhou petição ao rei justificando em sua história de luta para conquistada sede a legitimidade de sua posse”, contou Lucilene. O fato mereceu alerta do arcebispo ao rei D. José contra as “importunas queixas dos suplicantes, por serem efeitos da soberba, presunção e altivez, com que essa casta de gente vive, e com algum, e não pequeno perigo de se quererem levantar contra ele”.

Embora não haja registros sobre a participação dos membros da irmandade em levantes negros, o apoio na Revolta dos Malês deixou marca. Para camuflar a proteção ao movimento, o bacalhau servido na confraternização após a Festa de Nossa Senhora do Rosário até hoje leva toucinho em seu preparo.

“Como a carne de porco não é consumida pelos muçulmanos, foi o jeito de driblar a perseguição”, contou o prior Júlio César.

Outro embate sem êxito – foi em 1749, quando confrades do Rosário da Matriz de São Pedro Velho iniciaram a construção da capela para revolta dos irmãos do Rosário das Portas do Carmo que queriam continuar como única irmandade negra com sede própria.
Irmandade ganhou terreno de portugal
O terreno onde hoje está instalada a capela, construída entre 1703 e 1704, foi fruto de doação ocorrida em 1696 pela corte portuguesa. No século XVIII, a Bahia tinha 65 irmandades, sendo 28 em Salvador, das quais 16 formadas por negros
Elementos da herança africana foram introduzidos no século XVIII
A incorporação de elementos da herança africana nas festividades promovidas pela irmandade teve início ainda no século XVIII, quando foi solicitada permissão, em 1786, de “danças e cantigas no idioma de Angola na festa de Nossa Senhora do Rosário”.

Mas o marco para abertura de utilização desses elementos na liturgia só passou a ocorrer no século XX, com o uso de instrumentos de percussão, de acordo como prior da Irmandade, Júlio César.

“Os padres também passaram a ter outra postura, introduzindo a discussão da identidade e da cultura nas homilias, colocando tecidos africanos em suas vestes”.

A dupla pertença, como prefere chamar o prior Júlio César o fato de muitos integrantes serem religiosos do candomblé, por muito tempo foi velada. “Hoje já é público.

Praticamos os ritos católicos, mas não podemos negar e matar nossa cultura”.

Hoje, principalmente as missas das terças-feiras (que ocorrem na Igreja do Carmo até a conclusão da reforma da capela do Rosário) já não fazem mais sentido sem o som dos atabaques que embalam os corpos que não ficam parados durante os louvores.

A celebração conhecida como a Bênção da Terça é em homenagem a Santo Antônio de Categeró, que tem sua festa no segundo domingo de janeiro. “Já ocorria a missa na Igreja de São Francisco para Santo Antônio de Lisboa e Pádua, quando o Rosário resolveu abrir as portas para homenagear Santo Antônio e acabou conquistando mais fiéis”,contou o prior, listando São Benedito, Santa Ifigênia e Rainha dos Anjos como outros santos cultuados.

A comemoração do 325º aniversário deste ano teve início, em maio, com um seminário restrito aos 160 membros da irmandade. Os debates abertos ao público ocorrem desde a quinta-feira (16) e vão até amanhã. As homenagens à padroeira começam como tríduo entre 21 e 23 de outubro,coma festa no dia 24. No dia seguinte é a vez da confraternização com o famoso escaldado de 70 kg de bacalhau.
Reforma
De acordo com o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac), a reforma da capela está com pelo menos70% das obras concluídas e deve ser entregue em novembro deste ano.

A intervenção teve investimento de R$ 2,3 milhões e começou em outubro do ano passado. Consiste na recuperação da edificação, estruturas, telhados, imagens sacras e altares. A novidade fica por conta do acesso para pessoas com necessidades especiais, com banheiros, passarela, plataforma elevatória e elevador para galerias do púlpito e coral.

Fonte: Jornal A Tarde

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