Cleidiana Ramos - Coma morte do antropólogo Vivaldo da Costa Lima, 85 anos, a antropologia brasileira perdeu um dos seus mais importantes pesquisadores.
Ele morreu às 8h30 de ontem devido a insuficiência cardiorrespiratória e renal. Formado em odontologia, o professor Vivaldo não só tornou se mestre em antropologia como a revigorou, principalmente no campo dos estudos afro-brasileiros. Basta dizer que a sua dissertação de mestrado intitulada A família de Santo nos candomblés jejes-nagôs da Bahia é leitura obrigatória em qualquer estudo sobre as religiões afro-brasileiras.
E não é só: ele é autor de um texto clássico escrito na década de 70 em que explica como um termo político, nação, passou a ser o marco que define a origem litúrgica dos terreiros. Suas aulas e palestras transformavam-se em conferências devido ao seu vasto saber.Uma delas, sobre o culto a São Cosme e São Damião, virou livro. Além disso, era especialista em culinária afro-brasileira. Já tinha dois livros no prelo. Em um deles, reuniu o resultado das suas conversas sobre culinária afro-brasileira com a ialorixá Olga de Alaketu,com quem manteve uma grande amizade .
Obá Amigo também de mãe Senhora, mãe Ruinhó e outras grandes sacerdotisas do candomblé baiano, Vivaldo era obá de Xangô do Ilê Axé Opô Afonjá. “Como todo mundo que se foi, ele deixa saudade, que é profunda, pois desde jovem andava por aqui. Foi amigo de mãe Senhora e de todo mundo daqui. Gostava de festas e era muito caprichoso e interessado nas coisas de orixá”, destaca mãe Stella de Oxóssi, ialorixá do terreiro.
Assim como o orixá Ogum, de quem era filho, Vivaldo também tinha o temperamento forte. Mas nem por isso deixava de conquistar com seu carisma. Professor emérito da Ufba, formou uma geração de pesquisadores; suas aulas eram concorridas.
“Vivaldo conseguia aprimorar qualquer verdade que a gente pudesse construir.
Morre com ele praticamente a antropologia heróica baiana, queé aquela feita por gente que mudou o rumo da própria vida para aprender a antropologia e ensiná-la. Ele criou em torno dele toda uma linha de pesquisa onde se desenvolve a modernidade baiana”, destaca o doutor em antropologia e professor da UFBA Claudio Luiz Pereira,que organizou o livro Vivaldo da Costa Lima – Intérprete do Afro-Brasil, em parceria com o também doutor em antropologia Jeferson Bacelar.
O doutorem antropologia Júlio Braga diz que Vivaldo preencheu uma lacuna nos estudos afro-brasileiros.
“Houve um interregno na produção sobre esses temas depois de figuras como Édison Carneiro. Ele retomou esses estudos. Além disso, Vivaldo foi um intelectual que leu tudo,de Marx,no original, a Gilberto Freire”, completa Braga.
O também doutorem antropologia Roberto Albergaria diz que Vivaldo da Costa Lima foi fundamental para a sua escolha acadêmica, assim como o professor Cid Teixeira.
“Vivaldo, assim como Cid Teixeira,que,ainda bem,continua com a gente, formou o grupo dos professores eruditos.
Ele tinha uma forte formação humanística que seduzia.
Suas aulas eram freqüentadas até por gente de medicina”, afirma Roberto Albergaria.
De acordo com ele, Vivaldo é exemplo de uma Bahia que está ficando para trás. “Com Vivaldo, morreu uma Bahia ao mesmo tempo intelectual e ao mesmo tempo social, símbolo de uma singularidade que hoje não tem mais espaço no mundo do politicamente correto, afinal Vivaldo dizia sem temor o que pensava.
Hoje é o mundo da produtividade açodada. Não há mais espaço para uma figura tão densa e com uma experiência tão humana como Vivaldo”, completa Albergaria.
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos da Ufba (Pós-Afro),o doutorem antropologia Jocélio Teles lembra da preocupação de Vivaldo com o trabalho de pesquisa.
“Ele foi capaz de provocar novas práticas para a inserção de temas afro-brasileiros no âmbito da academia e levou uma geração a se convencer de nunca abandonar a metodologia das reflexões”, diz Teles.
Segundo o doutorem sociologia Ericivaldo Veiga , a genialidade de Vivaldo aparecia na sua forma de transmitir conhecimento mesmo em reuniões lúdicas. “Estar à mesa com Vivaldo era uma aula. Ali ele praticava o ritual de antropólogo ao ter um lugar marcado para cada um dos seus amigos, como na antropologia simbólica”. Jeferson Bacelar resume o sentimento do mundo cultural baiano a partir da morte de Vivaldo: “A Bahia ficou menos inteligente”.
Ele morreu às 8h30 de ontem devido a insuficiência cardiorrespiratória e renal. Formado em odontologia, o professor Vivaldo não só tornou se mestre em antropologia como a revigorou, principalmente no campo dos estudos afro-brasileiros. Basta dizer que a sua dissertação de mestrado intitulada A família de Santo nos candomblés jejes-nagôs da Bahia é leitura obrigatória em qualquer estudo sobre as religiões afro-brasileiras.
E não é só: ele é autor de um texto clássico escrito na década de 70 em que explica como um termo político, nação, passou a ser o marco que define a origem litúrgica dos terreiros. Suas aulas e palestras transformavam-se em conferências devido ao seu vasto saber.Uma delas, sobre o culto a São Cosme e São Damião, virou livro. Além disso, era especialista em culinária afro-brasileira. Já tinha dois livros no prelo. Em um deles, reuniu o resultado das suas conversas sobre culinária afro-brasileira com a ialorixá Olga de Alaketu,com quem manteve uma grande amizade .
Obá Amigo também de mãe Senhora, mãe Ruinhó e outras grandes sacerdotisas do candomblé baiano, Vivaldo era obá de Xangô do Ilê Axé Opô Afonjá. “Como todo mundo que se foi, ele deixa saudade, que é profunda, pois desde jovem andava por aqui. Foi amigo de mãe Senhora e de todo mundo daqui. Gostava de festas e era muito caprichoso e interessado nas coisas de orixá”, destaca mãe Stella de Oxóssi, ialorixá do terreiro.
Assim como o orixá Ogum, de quem era filho, Vivaldo também tinha o temperamento forte. Mas nem por isso deixava de conquistar com seu carisma. Professor emérito da Ufba, formou uma geração de pesquisadores; suas aulas eram concorridas.
“Vivaldo conseguia aprimorar qualquer verdade que a gente pudesse construir.
Morre com ele praticamente a antropologia heróica baiana, queé aquela feita por gente que mudou o rumo da própria vida para aprender a antropologia e ensiná-la. Ele criou em torno dele toda uma linha de pesquisa onde se desenvolve a modernidade baiana”, destaca o doutor em antropologia e professor da UFBA Claudio Luiz Pereira,que organizou o livro Vivaldo da Costa Lima – Intérprete do Afro-Brasil, em parceria com o também doutor em antropologia Jeferson Bacelar.
O doutor
“Houve um interregno na produção sobre esses temas depois de figuras como Édison Carneiro. Ele retomou esses estudos. Além disso, Vivaldo foi um intelectual que leu tudo,de Marx,no original, a Gilberto Freire”, completa Braga.
O também doutor
“Vivaldo, assim como Cid Teixeira,que,ainda bem,continua com a gente, formou o grupo dos professores eruditos.
Ele tinha uma forte formação humanística que seduzia.
Suas aulas eram freqüentadas até por gente de medicina”, afirma Roberto Albergaria.
De acordo com ele, Vivaldo é exemplo de uma Bahia que está ficando para trás. “Com Vivaldo, morreu uma Bahia ao mesmo tempo intelectual e ao mesmo tempo social, símbolo de uma singularidade que hoje não tem mais espaço no mundo do politicamente correto, afinal Vivaldo dizia sem temor o que pensava.
Hoje é o mundo da produtividade açodada. Não há mais espaço para uma figura tão densa e com uma experiência tão humana como Vivaldo”, completa Albergaria.
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos da Ufba (Pós-Afro),o doutor
“Ele foi capaz de provocar novas práticas para a inserção de temas afro-brasileiros no âmbito da academia e levou uma geração a se convencer de nunca abandonar a metodologia das reflexões”, diz Teles.
Segundo o doutor
“Ele conseguia aprimorar qualquer verdade” CLÁUDIO LUIZ PEREIRA, doutor em antropologia
“Seu papel foi importante para a consolidação do Ceao ” ORDEP SERRA, doutor em antropologia
Antropólogo tinha como marca o amor pelos livros
Quando alguém conseguia ganhar a confiança do professor Vivaldo da Costa Lima, tinha permissão para conhecer as suas bibliotecas.
Era um passeio fascinante, não só pelo mundo das ciências sociais e gastronomia, mas também por uma coleção de Marcel Proust, de quem era fã incondicional, Agatha Christie e até uma reunião de livros sobre gatos.
“Vivaldo foi um grande amigo do meu pai, e, por causa dessa amizade, tive muita aproximação com ele. Era um homem brilhante, um grande conhecedor de literatura, especialmente de poesia”, afirma o escritor e poeta Ruy Espinheira Filho. Muito emocionada, a professora Yeda Pessoa de Castro o considera uma escola. “Tínhamos uma amizade de quase 50 anos, o que não é pouco” Humor A generosidade é a senha para entender como um homem de gênio forte conquistou tantos admiradores. Vivaldo era capaz de uma conversa amistosa que durava horas, como também de suspender uma conferência se fosse interrompido de forma indevida o um em chegar a proferi-la se os organizadores atrasassem o início.
Era a sua irritação com o que, segundo o antropólogo Júlio Braga, ele classificava com a palavra impertinente.
“A sorte é que essa classificação não era ad e ter num”, completa. Quando este lado irritadiço desaparecia, ficava o humor refinado.
“Fiz umas três exposições em Paris, e ele apareceu por lá, dando risada e dizendo que tinha ido especialmente para a ocasião”,conta o pintor Sante Scaldaferri. O médico Eraldo Moura Costa lembra da sua grande paixão por tudo o que fazia: “Foi assim nos seus anos de Ipac”.
Para o antropólogo Jeferson Bacelar, a oscilação entre a irritação e a generosidade era o fascínio de Vivaldo. “Foram muitos os Vivaldos: o da academia, o das elites, mas sobretudo o das camadas populares.
Juntos, andamos por ruas e botecos da cidade
Era um passeio fascinante, não só pelo mundo das ciências sociais e gastronomia, mas também por uma coleção de Marcel Proust, de quem era fã incondicional, Agatha Christie e até uma reunião de livros sobre gatos.
“Vivaldo foi um grande amigo do meu pai, e, por causa dessa amizade, tive muita aproximação com ele. Era um homem brilhante, um grande conhecedor de literatura, especialmente de poesia”, afirma o escritor e poeta Ruy Espinheira Filho. Muito emocionada, a professora Yeda Pessoa de Castro o considera uma escola. “Tínhamos uma amizade de quase 50 anos, o que não é pouco” Humor A generosidade é a senha para entender como um homem de gênio forte conquistou tantos admiradores. Vivaldo era capaz de uma conversa amistosa que durava horas, como também de suspender uma conferência se fosse interrompido de forma indevida o um em chegar a proferi-la se os organizadores atrasassem o início.
Era a sua irritação com o que, segundo o antropólogo Júlio Braga, ele classificava com a palavra impertinente.
“A sorte é que essa classificação não era ad e ter num”, completa. Quando este lado irritadiço desaparecia, ficava o humor refinado.
“Fiz umas três exposições em Paris, e ele apareceu por lá, dando risada e dizendo que tinha ido especialmente para a ocasião”,conta o pintor Sante Scaldaferri. O médico Eraldo Moura Costa lembra da sua grande paixão por tudo o que fazia: “Foi assim nos seus anos de Ipac”.
Para o antropólogo Jeferson Bacelar, a oscilação entre a irritação e a generosidade era o fascínio de Vivaldo. “Foram muitos os Vivaldos: o da academia, o das elites, mas sobretudo o das camadas populares.
Juntos, andamos por ruas e botecos da cidade
Trajetória está vinculada à fundação do Ceao-Ufba
Além das inúmeras pesquisas e reflexões que se tornaram estudos sobre a cultura afro-brasileira, Vivaldo da Costa Lima teve uma intensa participação na fundação do Centro de Estudos Afro-Orientais da Ufba (Ceao) em 1959. “Na fundação do Ceao, criado por George Agostinho da Silva, estávamos eu, Vivaldo, Pedro Moacir Maia e Nelson Araújo. Pedro foi para Dakar; Vivaldo, para a Nigéria e depois Gana;e eu fique icom Agostinho, que se afastou da Bahia em 1961. Dirigi o Ceao até 1972” , relata o historiador Waldir Freitas de Oliveira, que escreveu com Vivaldo o livro Cartas de Édison Carneiro a Artur Ramos.
A atual diretora do Ceao, Paula Barreto, destaca o carinho que ele sempre teve com a instituição.“Ele fez parte do grupo de professores que começou o trabalho no Ceao, indo para a África, realizando intercâmbios. A sua trajetória está muito vinculada à história do Ceao”, diz.
A reitora da Ufba,DoraLeal, avalia que ele abriu as portas para um novo mundo. “Ele trouxe as novidades de uma nova antropologia, principalmente em relação às questões étnicas no Brasil”, disse a reitora.
Vivaldo foi também diretor do Ipac por três gestões, inclusive a de1991 a 1993, quando começou a revitalização do Pelourinho
A atual diretora do Ceao, Paula Barreto, destaca o carinho que ele sempre teve com a instituição.“Ele fez parte do grupo de professores que começou o trabalho no Ceao, indo para a África, realizando intercâmbios. A sua trajetória está muito vinculada à história do Ceao”, diz.
A reitora da Ufba,DoraLeal, avalia que ele abriu as portas para um novo mundo. “Ele trouxe as novidades de uma nova antropologia, principalmente em relação às questões étnicas no Brasil”, disse a reitora.
Vivaldo foi também diretor do Ipac por três gestões, inclusive a de
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