24/05/2011 - 21h16
DO RIO
DE SÃO PAULO
Os diretores teatrais Marcio Meirelles, do Bando de Teatro Olodum, e Mario Pazini, do grupo Clariô, lamentaram nesta terça-feira a morte do ativista do movimento negro Abdias do Nascimento, 97. Ex-deputado, secretário estadual e senador, Abdias foi também pintor autodidata, escritor, jornalista, poeta e ator.
Meirelles comparou a morte do ativista ao "desabamento de uma catedral" e lembra um espetáculo em cartaz em que há citações de Abdias.
"No espetáculo "Bença" (em cartaz em Salvador) há citações de Abdias. Ele diz que não se considera vencedor, mas um homem que trabalhou muito. Fala isso na nossa peça. Mas para a gente é justamente o contrário: a gente reconhece nele um vencedor, alguém que lutou e venceu. Ele nos deixa a responsabilidade desse legado ser levado adiante. Como todos os grupos de teatro negro, somos herdeiros do Teatro Experimental do Negro. A presença dele agora está em nós."
O diretor de teatro do grupo Clariô também lamentou a morte e ressaltou a luta do ex-parlamentar contra o preconceito e contra a desigualdade.
"Abdias ele abrangeu tanto na questão literária como na teatral a luta contra o preconceito, contra a desigualdade. Ele é montou a primeira escola de artistas negros, tem uma importância extrema. Dentro da minha realidade, de teatro de periferia, eu sempre procurei lutar contra a desigualdade. Minha identificação com ele é muito grande. Ele fez mais do que levantar uma bandeira, se perpetuou entre os grupos de teatro do país, inclusive os de periferia."
Ele estava internado desde 15 de abril no Hospital do Servidor do Rio de Janeiro e morreu de insuficiência cardíaca, segundo a assessoria de imprensa do hospital.
De acordo com Ivanir dos Santos, conselheiro do Ceap (Centro de Articulação de Populações Marginalizadas) e amigo pessoal de Abdias, o ativista foi internado por complicações de diabetes.
O defensor das causas negras Abdias do Nascimento morreu nesta terça-feira (24), aos 97 anos
POLÍTICA
Abdias do Nascimento foi o primeiro deputado federal do país a se dedicar à defesa dos direitos dos afro-brasileiros, de acordo com o PDT, sigla que o ativista representou no Congresso. Ele assumiu o cargo em 1983, eleito pelo Rio de Janeiro. Em seu mandato de quatro anos, segundo dados da Ipeafro (Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros), foi de autoria de Nascimento o primeiro projeto de lei de políticas públicas afirmativas da história do Brasil.
O ativista também foi suplente do antropólogo Darcy Ribeiro no Senado e assumiu a cadeira entre 1991 e 1992 e de 1997 a 1999.
Abdias nasceu em 14 de março de 1914 na cidade de Franca, localizada no interior de São Paulo, a 400 km da capital. Filho de uma doceira e de um sapateiro, viveu a maior parte da vida no Rio de Janeiro, onde se formou em economia.
Começou a militar na década de 30, quando ingressou na Frente Negra Brasileira. Em uma viagem pela América do Sul com um grupo de poetas, assistiu a um espetáculo onde um ator branco pintava o rosto para interpretar um negro.
O episódio marcou Abdias e o levou a fundar o Teatro Experimental do Negro, em 1994, após ter cumprido pena na penitenciária do Carandiruo, preso pelo governo de Getúlio Vargas por resistir a agressões racistas.
O Teatro Experimental do Negro formou a primeira geração de atores e atrizes afrodescendentes do Brasil, e também contribuiu para a criação da literurgia dramática afro-brasileira.
Abdias se encontrava nos Estados Unidos quando o regime militar promulgou o Ato Institucional nº 5 e, por causa de diversos inquéritos policiais dos quais era alvo, foi impedido de retornar ao Brasil.
Seu exílio durou 12 anos.
Além do Teatro Experimental do Negro, o legado de Abdias inclui também o Ipeafro, fundado por ele em 1981, o jornal 'Quilombo', criado em 1968 e mais de 20 livros publicados durante várias décadas.
Além da indicação ao Prêmio Nobel da paz --que ele afirmou nunca esperar vencer, em entrevista exclusiva à Folha, em 2010--, Abdias recebeu honrarias dos Estados Unidos, Nigéria, México, Unesco e ONU. No Brasil, recebeu das mãos do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Ordem do Rio Branco, no grau de Comendador --a honraria mais alta outorgada pelo governo brasileiro.
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