Quem vai à comunidade quilombola rural de Serra do Queimadão, no município de Seabra, a 478 quilômetros de Salvador, no coração da Chapada Diamantina, não esquece jamais. O rigoroso contraste entre a pobreza socioeconômica e a riqueza multicultural da população é um pedacinho triste do país ainda desconhecido para milhões de brasileiros. Não se trata de nenhum paraíso tropical, cercado por relíquias naturais, cobiçadas em meio ao “boom” turístico dos novos tempos. As casas erguidas com adobe – barro cru - insistem em se manter de pé, em meio à terra seca, rodeada de mato e caatinga, remontando um cenário típico das primeiras evoluções do século passado. A água, que chegou há apenas alguns anos, não serve para beber. O posto médico, levantado por incentivo da própria comunidade, está totalmente desativado. Não há médicos, nem nenhum sinal de atendimentos por aqui. A falta de saneamento básico se junta à ausência de iluminação nas ruas. As atividades voltadas para a roça predominam e têm sido por décadas a tentativa de “ganha-pão” de 55 famílias, residentes na região. O cultivo de milho, feijão e mandioca, como em tantas áreas rurais do Brasil, nunca foi suficiente para garantir o desenvolvimento sustentável. Trabalhadores rurais explicam que muita gente diz sentir “uma queimação nos peitos”, quando consome a água. “Até eu mesmo comecei sentir que estava queimando. E agora, apareceu o problema da mulher que estava internada em Seabra e depois foi para São Paulo. Disseram que era barriga d’água. Aí, levaram para UTI. Mas, um rapaz da comunidade me ligou, confirmando pelos médicos que todo problema de doença da mulher veio dessa água.” Os moradores explicam que mesmo para tomar banho o corpo fica coçando. “Precisamos de uma urgência, de um socorro. O pessoal de Saúde de Seabra já alertou: se continuarmos consumindo esta água, nos próximos 10 anos, poderemos morrer todos de câncer ou de outras doenças”. Ele lembra que há casos de morte no povoado sem explicação. Outra vítima dos problemas causados pelas precárias condições de vida é Maria Aparecida Mendes dos Santos, 36, mãe de quatro filhos. Já na adolescência, ela passou por um AVC – Acidente Vascular Cerebral, derrame no cérebro que pode ser agravado pela ingestão de grande quantidade de sal. Como muitas mulheres, jovens e homens do campo, além das questões relacionadas à saúde, Maria compartilha com o marido a angústia da distância e do cruel destino de quem tem que deixar sua terra para sustentar a família. Forquilha ainda é uma ameaça O retrato da crise também está estampado no rosto de Dona Cardosina Maria da Conceição, 47, casada com Valter José Cassemiro, e mãe de 10 filhos. Como a maioria das mulheres de Serra, ela desconhece as letras. A lavradora conta que há um ano vem se sustentando com a ajuda do bolsa-família de R$ 134,00 e com o trabalho que sempre fez na roça, plantando mandioca, feijão-de-corda e milho. Mas quando essa ajuda não vem... “Fica todo mundo na mão de Deus, não tem comida. Às vezes uns amigos ajuda, outras vezes não. Hoje, mesmo, não tem nada. Nem para a noite, nem de dia. Não tem nada na roça, está tudo murchinho, sem chuva, morre tudo. A água salgada não dá para molhar”. O marido dela deslocou a perna com três anos de idade e não aguenta trabalhar. “Ele vai para a roça, mas não aguenta por muito tempo, por causa da perna - uma é fina e a outra mais grossa”. A conversa foi interrompida pelo meio por gritos que vinham detrás da casa. Eram da pequena Cecília, de seis anos, que chorava pedindo socorro. Pai, mãe e irmãos correram para ajudar. A menina havia ficado presa na forquilha – pau ou tronco bifurcado. Estava confirmada mais uma vez a situação precária das moradias na comunidade. A forquilha da casa de Cardó, como Dona Cardosina também é conhecida, foi utilizada pelos pais para escorar uma parte da casa ameaçada de cair. |
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quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
Quilombolas vivem como o século passado
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