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segunda-feira, 28 de março de 2011

Coluna Justiça: O que é a Lei Rouanet?

Sebastian Mello - advogado e professor da Universidade Federal da Bahia

Por Victor Carvalho

Sebastian Mello: Pouca gente sabe, mas a Lei Rouanet (Lei nº 8.313/91) é uma Lei Federal de Incentivo à cultura. Tem esse nome em homenagem ao embaixador Sergio Paulo Rouanet, que foi o seu grande idealizador. A lei instituiu Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), com a finalidade de captar e canalizar recursos para promover, apoiar e valorizar manifestações culturais. Por intermédio da Lei Rouanet é possível obter incentivos fiscais que possibilitam que pessoas físicas e jurídicas apliquem parte do Imposto de Renda devido em ações culturais, como uma forma de estimular investimentos privados em cultura, notadamente carente de investimentos e patrocínio.
CJ: Qualquer pessoa pode receber o apoio da Lei?
SM: Pelo texto da lei, qualquer pessoa, sim, desde que tenha um projeto que atenda aos requisitos da lei, como, por exemplo, que sejam concedidos a projetos culturais cuja exibição, utilização e circulação dos bens culturais deles resultantes sejam abertas, sem distinção, a qualquer pessoa, se gratuitas, e a público pagante, se cobrado ingresso, sendo inclusive vedada a concessão de incentivo a obras destinadas a coleções particulares ou circuitos privados que estabeleçam limitações de acesso.

CJ: Como funciona a Rouanet no caso do blog de Maria Bethânia?
SM: Na verdade, a Lei Rouanet tem características muito próprias, e eu não conheço especificamente o projeto apresentado, porém, falando nos termos do que prevê a lei, o projeto deve ter pelo menos um desses objetivos: incentivar a formação cultural e artística, fomentar a produção cultural e artística, preservar e difundir o patrimônio artístico e cultural, ou estimular o conhecimento dos bens e valores culturais. O artista apresenta um projeto ao Ministério da Cultura, que, após a análise dos diversos requisitos previstos na Lei, autoriza o autor do projeto a captar, junto a pessoas físicas e jurídicas, patrocínio para viabilizar o projeto, até um determinado limite de valor. Cumpre ressaltar que o valor autorizado pelo Ministério da Cultura não significa que o artista vai conseguir angariar tais verbas. Ele precisa batalhar junto à iniciativa privada pessoas interessadas em financiar o projeto apresentado. Muitas vezes, um artista apresenta um projeto de R$ 100.000,00 (cem mil reais), e só consegue angariar 20 ou 30 % desse valor. As pessoas físicas e jurídicas que resolverem contribuir serão beneficiadas com uma dedução no Imposto de Renda. Em outras palavras, a pessoa física ou jurídica que contribuir com o financiamento do projeto poderá utilizar o valor pago para abater do Imposto de Renda. Dessa forma, o Estado abre mão de uma pequena parcela dos impostos que iria receber para que a iniciativa privada patrocine projetos culturais e artísticos.
CJ: O incentivo para o blog pode causar algum prejuízo ao Estado ou ao contribuinte?
SM: O Estado deixará de arrecadar parte dos impostos que seriam pagos por quem investir nos projetos apresentados e aprovados pelo Ministério da Cultura. Isso não significa prejuízo. Significa que o Estado, em vez de dar o dinheiro, abre mão de parcela dos impostos. Toda a polêmica criada deveu-se ao fato de que o projeto apresentado pretender que sua divulgação seja feita através de um blog. E aí que se estabeleceu a celeuma. É notório que qualquer pessoa poderá, se quiser, fazer seu blog sem nenhum custo, como é possível que alguém grave um disco utilizando apenas seu computador, ou faça um filme amador numa câmera digital. Tudo isso é possível que se faça sem nenhum custo. Todavia, o que me parece é que não se trata de um mero blog, mas sim de uma produção de qualidade, sofisticada, com profissionais de alto nível, no qual se fará uma espécie de biblioteca virtual de poesia. Essa produção poderia ser distribuída pela TV, pelo cinema, mas como vai ser feita pela internet através de um blog, muitas pessoas pensam que, se um amador não precisa de dinheiro para montar um blog, por qual razão Bethânia precisa de R$ 1,3 milhão? Essa é uma visão reducionista do problema.

Se Bethânia fosse captar essa verba para fazer um show ou produzir um dvd, ninguém questionaria. Mas como é para fazer um blog, todo mundo reclama, afinal, é fácil fazer um blog de graça pela internet. Mas tomemos cuidado. Como já escrevi no meu próprio blog, há muitos blogs amadores, de gente interessada em assuntos específicos, sua vida pessoal ou qualquer coisa que se coloque na rede. Há blogs com textos muito bons, e há outros blogs também muito ruins, mas o fato é que são blogs amadores. Dizer que não se pode ter um custo desses para a produção de vídeos para um blog é dizer que todo blog tem que ser um instrumento simplório e amador, de que não vale a pena renúncia fiscal para divulgar um material em vídeo, de alta qualidade, pela Internet. Há certo preconceito também porque se trata de um blog que envolve poesia. Assim como existem atores amadores e profissionais, cantores amadores e profissionais, existem blogs amadores e blogs profissionais. O projeto foi analisado não apenas por integrantes do governo, mas também por membros da sociedade civil, e há orçamentos e planilhas que foram avaliadas.
CJ: É ético que o Estado destine tal monta em renúncia fiscal para criar um blog para a cantora e como isso se coaduna com o dever constitucional do Estado em relação à cultura?
SM: A poesia pode, sim, ter um espaço sofisticado e profissional na rede, desde que haja empresários dispostos a patrociná-lo. Isso é cultura? Sim. O governo pode aplicar renúncia fiscal nesse caso? Sim, pois a lei autoriza que assim se proceda. Então, por qual razão deve se achar um absurdo? Por que o preço é caro demais para um blog? Então que todo blog seja amador, e que a internet seja sempre uma repetição de conteúdos... eu, modestamente, entendo que há espaço para produções sofisticadas disponibilizadas pela rede. É certo que Maria Bethânia terá mais facilidade de obter patrocínio por ser uma artista reconhecida com uma carreira bem sucedida há mais de 40 anos, e alguém poderia perguntar se o Ministério da Cultura deveria apenas permitir projetos de artistas com menos projeção. Isso é uma visão distorcida, pois teria que se estabelecer um critério sobre o que é um artista reconhecido ou não; além disso, deve-se levar em consideração a qualidade do projeto. Eu não tenho autoridade para dizer se o projeto tem ou não tem essa qualidade, mas não acho que a possibilidade de o Estado contribuir com renúncia fiscal para a produção de um material que vai ser divulgado num blog seja uma violação dos deveres inerentes ao seu dever de incentivar as manifestações culturais, previstas no artigo 215 da Constituição.

Bahia Notícias

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