Paginas

Olá, seja bem vindo(a)!
Este blog quer dar visibilidade e proporcionar a reflexão sobre cultura do Território Piemonte Norte do Itapicuru.
Para garantir que sua visita seja proveitosa e agradável, disponibilizamos abaixo algumas orientações, para evitar que você tenha dificuldade de acesso às informações.
>Para encontrar alguma matéria especificamente, vá ao campo pesquisa e digite uma palavra que sirva de referência;
>Para fazer algum comentário ou tirar alguma dúvida, vá ao campo comentário logo abaixo da matéria, e não se esqueça de se identificar (deixe seu email se quer receber mais informaçoes sobre o tópico em questão);
>Para acompanhar a agenda cultural do território, vá ao campo Agenda Cultural na parte inferior do blog;
Para encaminhar informações ou sugestões envie email para carlalidiane@yahoo.com.br
Aproveite o espaço!

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Raça ou cultura?


Ricardo Henrique de Andrade
Prof. de filosofia da UFRB

Quantos de nós poderiam responder, com alguma pretensão de verdade, a pergunta: qual é a tua raça? Essa noção aplicada ao gênero humano é algo mais que uma metáfora zoológica, sugere que certas características físicas e morfológicas definam algum tipo de bio-ontologia, com desdobramentos assaz perigosos.

O racismo serviu como mecanismo de controle político do Estado sobre populações consideradas indesejáveis. Nos últimos séculos forjou-se uma taxonomia de raças e subraças com o fito de racionalizar o direito sobre a vida. Genocídios foram justificados em linguagem técnica, científica e jurídica. E hoje o vocabulário racista é ainda conscientemente adotado por muitos dos que lutam contra a discriminação, as desigualdades e as injustiças.

Devo antecipar duas posições para dirimir mal-entendidos. Primeiro, sou pragmaticamente a favor das políticas afirmativas.

Entendo que se há uma indesejável discriminação negativa, deve haver reparação e por isto sou um intransigente defensor da política de cotas; não podemos agora abrir mão desta conquista. Contudo, creio que devemos realizá-la valorizando a pluralidade cultural, e para isto a noção de raça teria melhor serventia se fosse semanticamente deflacionada. Segundo, embora compartilhem do que eu chamo aqui de racismo, não poderíamos colocar no mesmo lugar defensores dos direitos da raça como Crummell ou Malcolm X e assassinos como Hitler ou Terre’Blanche.

Acredito que a noção biológica de raça contrafaz as disputas legítimas que os povos negros e indígenas (falo aqui no sentido estritamente étnico) têm travado ao longo da história. Por outro lado, reconheço o sentido político de uma demanda concreta e, embora não concorde com o uso do termo, sei que ele é significativo, quiçá para a maioria das pessoas. Mas escorar a noção biológica de raça no lábaro de luta pelo reconhecimento da cultura negra é fazer o racismo retornar ao seu ponto de partida histórico pela porta dos fundos.

Como signo, a noção de raça também atravessa o espectro cultural marcando o processo de discriminação, seja negativa, seja positiva. Ela pactua uma resistência política legítima com o preconceito naturalista intrínseco, capaz de corromper as mais bem intencionadas estratégias de contrahegemonia. Vantagens e expectativas às vezes nos impedem de abandonar certas crenças. Não se extirpa uma ideologia sem ameaçar o status de certas escolhas. E como são complexos os interesses que circundam as questões raciais, mesmo dispondo de evidências da irrelevância ou até mesmo da inexistência da raça, não modificaríamos, sem muito esforço, certas disposições cognitivas.

Por razões culturais, frequentemente acreditamos que pessoas biologicamente mais próximas de nós – como nossos parentes, por exemplo – devam merecer mais do nosso afeto. Assim, o racista convicto acredita que, por pertencer a uma determinada raça, devemos preferir uma pessoa a outra. E mais: conferir-lhes direitos diferenciados.

A expressão “irmão de raça” traduz bem o tipo de distorção cognitiva – prenhe de consequências morais – que o conceito de raça tende a insinuar: uma aliança de sangue, de família, uma identidade natural que jungida ao DNA urde um compromisso profundo.

A etnologia derruiu há algum tempo a crença delirante de que mentalidades e traços de caráter são biologicamente transmissíveis.

Mais do que um erro cognitivo o conceito biológico de raça é politicamente prescindível, pelo menos em médio prazo.

A questão fulcral é de natureza simbólica: o que importa é afirmar dados da existência – como a estética, a técnica, os costumes, os mitos, o gosto e a memória – coisas que desde muito sabemos são eminentemente culturais. Houvesse algo como raça, pertencer a ela não conferiria qualquer qualidade moral a quem quer que seja; não faria de ninguém mais honesto, mais inteligente e nem mais corajoso Também não é a genética que confere às pessoas “aptidão para o ritmo”, a “preferência por certas cores” e um “senso de humor irrefragável”.

Se alguma coisa importa é o que pensamos e fazemos e isto não devemos à noção biológica de raça, mas à cultura.
O vocabulário racista é ainda conscientemente adotado por muitos dos que lutam contra a discriminação...



A Tarde

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom, lúcido e claro!