Dedicado à minha irmã Miriam e a todos/todas guerreiros/as que, como a nossa presidenta Dilma Rousseff, lutaram e lutam contra o câncer.
No encarte do seu disco ANIMA, de 1982, Milton Nascimento escreveu: “Este disco traz aquilo tudo que acredito. Todas as coisas que gosto. Essa vontade de acreditar, apesar de tudo que acontece no mundo, contrário a essa esperança. A vontade muito grande de cantar, de dizer as coisas para as pessoas, de falar coisas que a gente ouviu, o que a gente aprendeu e que a gente segue vivendo, apesar de tudo”.
“Tomarei a decisão de ser interiormente feliz agora, onde hoje me encontro”.
(Paramahansa Yogananda)
1. INTRODUÇÃO
É tão bom viver! É tão bom estar vivo! Encontro tantos motivos para estar feliz (apesar do meu pessimismo crônico), mas três coisas, ultimamente, têm me deixado com a certeza de que é possível, sim, ser feliz: o sorriso na cara da minha irmã, Miriam Ferreira, o sorriso na cara de minha aluna Marizete Pinheiro, da UNEB2000 de Capim Grosso e o sorriso na cara de nossa presidenta, Dilma Rousseff. Detalhe: as três tiveram - ou têm – câncer, e estiveram - ou estão - na luta contra esse mal. E sempre com um sorriso no rosto!
Esse texto traz as minhas ideias e as de um grande escritor alemão chamado Hermann Hesse, Nobel de Literatura, extraídas daquele que é o seu melhor livro, pelo menos para mim, “O Lobo da Estepe” (citações entre aspas e em negrito, no corpo do texto).
2. “Nós não aprendemos nada com nossa experiência. Nós só aprendemos refletindo sobre nossa experiência”.
(Robert Sinclair)
Há razão para lamentar? “Nada há que lamentar”. Vivo dizendo para os meus alunos que a vida é uma dádiva, uma bênção. O passado não me causa lástima. Lastimáveis são o agora e o presente, todas essas horas e dias incontáveis que a humanidade perde, que vive em sofrimento, que não trazem nenhuma dádiva nem a menor comoção. “É difícil achar essa trilha de Deus em meio à vida que levamos, na embrutecida monotonia de uma era de cegueira espiritual, com sua arquitetura, seus negócios, sua política e seus homens!” Saramago diz isso no seu livro “Ensaio sobre a cegueira”. “E, de fato, se o mundo tem razão, se essa música dos cafés, essas diversões em massa e esses tipos americanizados que se satisfazem com tão pouco têm razão, então estou errado, estou louco. Sou na verdade... aquele animal extraviado que não encontra abrigo nem ar nem alimento num mundo que lhe é estranho e incompreensível”. Esses dois livros citados, são duas belas parábolas de todas as tristezas e incompreensões do mundo. “Bem, cada qual tem seu fado, e nenhum deles é leve. (...) da mesma forma como qualquer pessoa toma o sofrimento que se abate sobre ela como sendo o maior do mundo. (...) E mesmo a mais infeliz das existências tem seus momentos luminosos e suas pequenas flores de ventura a brotar entre a areia e as pedras”.
Escrevo sobre dias difíceis, sobre a dor, pois sou um cara amargo, às vezes. Mas alguns dizem que sou simpático, apesar de tudo. Na verdade, procuro viver sossegado e voltado para mim mesmo. Nós somos aquilo que escolhemos ser. A nossa atitude diz muito sobre o que somos. Ultimamente tenho virado bom moço. Não que seja um poço de virtudes. Sou cortês, de vez em quando, e até mesmo, quando em vez, amável. Não sou orgulhoso. Na verdade, em minha personalidade existe uma total ausência de orgulho. Tenho, “nas questões espirituais aquela quase fria objetividade, aquela segurança de pensar e de saber que só possuem os homens verdadeiramente espirituais, que carecem de toda ambição, que nunca desejam brilhar nem persuadir aos demais nem arvorar-se em donos da verdade”. Nesses últimos anos, bem no sentido das várias acepções de Nietzsche, estou forjando dentro de mim a base do meu pessimismo. Mas ele não é o desprezo do mundo, mas antes o desprezo de mim mesmo, pois, podendo falar sem indulgência e impiedosamente das instituições e das pessoas, nunca excluo a mim mesmo; sou sempre o primeiro a quem dirijo minhas setas. A minha escrita é rebelde, sarcástica e com um pouco de humor ácido. No entanto, qualquer pessoa que me conhece, de imediato percebe que se trata de um pensador e de um homem chegado aos livros. O meu irmão Marcos Melo me disse isso ontem, 30 de outubro de 2010. Mas sei que a vida é dor, é sofrimento, e como disse o poeta Novalis: “O homem devia orgulhar-se da dor; toda dor é uma manifestação de nossa elevada estirpe”. Magnífico! Oitenta anos antes de Nietzsche! Mas espere, não era esta a passagem que eu queria escrever aqui... Espere, aqui está, veja: “A maioria dos homens não quer nadar antes que o possa fazer. Não é engraçado? Naturalmente, não querem nadar. Nasceram para andar na terra e não para a água. E, naturalmente, não querem pensar: foram criados para viver e não para pensar! Isto mesmo! E quem pensa, quem faz do pensamento sua principal atividade, pode chegar muito longe com isso, mas sem dúvida estará confundindo a terra com a água, e um dia morrerá afogado.’” Eu sou mais um anônimo, “perdido em meio à gente, à cidade e à vida do rebanho”. Tentando viver o meu tipo de vida, normal, “uma vida medíocre e burguesa, porém segura e cheia de obrigações”... Um tipo e estilo de vida que sempre critiquei, mas que acabo tendo de viver, infelizmente. Mas a vida é isso: contradição. Como a Metamorfose Ambulante que me guia, com as suas músicas, também vivo a condenar a barbárie, a violência e o caos dos nossos tempos, comparando-as com as da Idade Média. Hermann Hesse, falando sobre os horrores dela disse: “Tais horrores na verdade não existiram. Um homem da Idade Média condenaria totalmente nosso estilo de vida atual como algo muito mais cruel, terrível e bárbaro. Cada época, cada cultura, cada costume e tradição têm seu próprio estilo, têm sua delicadeza e sua severidade, suas belezas e crueldades, aceitam certos sofrimentos como naturais, sofrem pacientemente certas desgraças. O verdadeiro sofrimento, o verdadeiro inferno da vida humana reside ali onde se chocam duas culturas ou duas religiões. Um homem da antiguidade, que tivesse de viver na Idade Média, haveria de sentir-se tão afogado quanto um selvagem se sentiria em nossa civilização. Há momentos em que toda uma geração cai entre dois estilos de vida, e toda evidência, toda moral, toda salvação e inocência ficam perdidas ela. Naturalmente, isso não atinge a todos da mesma maneira. Uma natureza como a de Nietzsche teve de sofrer a miséria da época atual há mais de uma geração antes da nossa; tudo quanto teve de suportar sozinho e incompreendido é o mesmo de que hoje padecem milhares de seres humanos”.
3. “Estamos todos juntos na tarefa de viver”.
(Ruth Stotter)
Estamos aqui para evoluir, não é mesmo? E cada um/a tem o seu jeito de evoluir. Cada um/a tem o seu tempo de evoluir. A maioria aceita “a morna mediocridade dos dias chamados bons”. O que essa maioria quer é essa satisfação, essa saúde, essa comodidade, esse otimismo bem-cuidado, “essa educação adiposa e saudável do medíocre, do normal, do acomodado”. Apesar desse meu desprezo pela burguesia, e desse estilo de vida destrutivo dela, sei que essa vida tem sempre algo de comovente, mesmo tudo estando “desordenado e negligente, e onde tudo, livros, manuscritos, pensamentos, está marcado e embebido pela miséria do solitário, pela problemática do ser humano, pelo anseio de dar um novo sentido a uma vida humana que já perde seu rumo”.
Nesse diapasão, sigo escarafunchando, aos trancos e barrancos, buscando a minha escrita cada dia mais crítica, independente e comprometida ética e politicamente com as causas sociais. Enquanto estiver vendo sentido nisso tudo, estarei fazendo. É por aí...
REFERÊNCIA
HESSE, Hermann. O Lobo da Estepe; [tradução de Ivo Barroso]. – 2ª ed. – Rio de Janeiro: BestBolso, 2010.
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